terça-feira, 31 de março de 2009

4° motivo da rosa


Não te aflijas com a pétala que voa:

também é ser, deixar de ser assim.

Rosas verá, só de cinzas franzida,

mortas, intactas pelo teu jardim.

Eu deixo aroma até nos meus espinhos

ao longe, o vento vai falando de mim.

E por perder-me é que vão me lembrando,

por desfolhar-me é que não tenho fim.

Cecília Meireles


sexta-feira, 27 de março de 2009

Encantamentos


Tudo em torno parece feérico e extasiante:
a neblina que desce num momento
de repente, qual um sonho de menina...
O canto da ave que singra o espaço azul
qual se fosse bela nave feita de imaginação...
A asa da borboleta a fremir
qual um pincel cheio de tintas...
O riso do idoso que brincando
quer brincar ainda-e sempre...
A flor que sonolenta acorda adulta
e se abre inteira ao beijo do sol...
A semente gorda que sob a Mãe Terra, eclode
e vai romper seu ventre em sinal verde...
Tudo é magia, encantamento,
porque a ânsia criativa das criaturas
põe fiapos de luz em
cada nuance da Vida
e trabalhando o mundo
a cada instante,
o transmuta e recria...

Cleovane P. de A. Lopes

quarta-feira, 25 de março de 2009

...acho que a vida é um processo...


...acho que a vida é um processo...
É como subir uma montanha.
Mesmo que no fim não se esteja tão forte fisicamente,
a paisagem visualizada é melhor.

Lya Luft

segunda-feira, 23 de março de 2009

Esperemos


Esperemos

Há outros dias que não tem chegado ainda,

que estão fazendo-se como o pão

as cadeiras ou o produto

da farmácia ou das oficinas

- há fábricas de dias que virão -

existem artesãos da alma

que levantam e pesam e preparam

certos dias amargos ou preciosos

que de repente chegam à porta

para premiar-nos

com uma laranja

ou assassinar-nos de imediato.

Pablo Neruda

sábado, 21 de março de 2009

História do caminhão - Capítulo II

Conforme disse, me vi cheio de dinheiro, que o Ministro da Fazenda me mandou levar em casa em um caminhão. Se o leitor espera que eu explique como e por que o governo me mandou esse dinheiro, perde seu tempo; houve murmúrios segundo os quais houvera um engano de endereço, e as notas se destinariam a um cavalheiro que iria financiar a safra de amendoim e a candidatura de Brederodes. Creio que fizeram mais dinheiro para ele, evitando assim o escândalo e o trabalho de passar sobre o meu cadáver para, reaver o que me haviam entregue.

O fato é que, tendo adquirido o Jornal do Brasil de domingo, comecei a anotar alguns anúncios, e na segunda-feira me pus a empregar o capital. Comprei inicialmente dois galos de prata e uma caricatura artística de Rui Barbosa, em bronze, uma arca de jacarandá, uma colcha de vicunha e uma grande peça de renda do Norte com labirinto; tudo velhas aspirações. A seguir adquiri um rádio, pegando o mundo inteiro, “inclusive Portugal", uma arara vermelha e azul, um “macaco barrigudo, macho, delicado e que manso" e “uma linda canarinha pronta para juntar", segundo rezava o “anúncio”, e se lia em seus olhos cheios de ansiedade romântica.

Contratei, também, uma senhora moça que se oferecia “de boa apresentação, desembaraçada, falando idiomas”. Quando estou aborrecido, mando colocá-la numa poltrona em um canto da sala, e dizer várias coisas cm inglês, francês e alemão, com todo o desembaraço. Jamais me preocupei em saber o que ela diz, mas suponho que sejam coisas agradáveis. Como ela às vezes fala um pouco alto, nós vamos para outra sala e fechamos a porta, deixando-lhe ordem de falar durante meia hora. Aquela voz de mulher falando línguas importantes dá um certo tom distinto ao nosso lar. Um anúncio extremamente tentador me levou a comprar um motor trifásico. Achei bom ter um motor trifásico. Às vezes mando ligá-lo para obrigar a senhora desembaraçada a falar ainda um pouco mais alto. O ruído do motor trifásico combinado com a voz da senhora parece que excita a canarinha, que se põe a cantar.

Como o macaco barrigudo, apesar de ser realmente manso e delicado, me parecia um pouco triste, comprei um lustre com pingente de Versalhes, por 12 contos, verdadeira pechincha; ele agora está mais contente, e também gosta muito de brincar com os galos de prata e a renda de labirinto.

Depois de um certo tempo notei que a senhora moça de fina educação, boa apresentação e desembaraçada parecia estar ficando, por sua vez, um pouco triste, e se punha horas na janela olhando o mar. Chegou até a murmurar coisas em português, o que me desgostou. Português nós todos falamos aqui em casa, principalmente minha mulher. Sempre tive vontade de comprar um binóculo de marinha, para umas navegações que pensei em fazer na juventude. Comprei um, excelente, e o dei de presente à senhora, para que olhe o mar com mais eficiência. Ela me agradeceu com um sorriso e teve a bondade de murmurar algumas palavras, creio que em baixo alemão. Gostei tanto que mandei que repetisse aquilo durante o jantar, de dois em dois minutos. Cada vez que ela o fazia, minha mulher ficava um instante de garfo no ar, os olhos sonhadores, e demonstrava uma grande admiração - ela, que a princípio, implicava com a boa senhora, talvez por causa de sua boa apresentação, e de seu desembaraço. - Como fala bem essa língua! - comentava minha mulher. - Deve ser ótimo falar em língua estrangeira! É tão bonito! As pessoas não entendem, mas é realmente muito bonito. Fale um pouquinho mais, sim?

Mandamos colocar lá fora uma placa avisando que em nossa casa on parle babla spricht spoke, e não sei mais o que em vários idiomas. Nossa vizinha criticou muito isso, mas está morrendo de inveja, pois tudo o que se ouve em sua casa é português, e assim mesmo com um sotaque paraibano que é uma tristeza.

Diariamente continuo a comprar coisas, tais como um acordeon com 80 baixos e um contrabaixo de 4 cordas. Sempre tive vontade de tocar um desses instrumentos, mas tenho o ouvido péssimo e jamais consegui aprender nada de música. Quando eu era pobre me conformava com isso. Agora toco o acordeon e o contrabaixo à vontade, e com toda força. Minha mulher a princípio pareceu ficar meio irritada; ela também passou a vida humilhada por não saber tocar coisa alguma. Fiz-lhe uma delicada surpresa, adquirindo um piano de cauda Pleyel, em segunda mão mas em perfeito estado, por 17 contos. À tarde, depois do jantar, ela martela o piano e eu dou duro no contrabaixo; a arara grita esporadicamente, o macaco se mete dentro da arca de jacarandá e a caricatura artística em bronze de Rui Barbosa faz uma cara de quem está estourando de dor de cabeça. Mas é um bom exercício, e nos lava a alma, e à noite dormimos muito melhor.

Minha mulher, que é muito piedosa, disse há tempos que eu devia gastar algum dinheiro em obras de benemerência. Achei que ela estava com razão, pois sempre tive ligeiras tendências marxistas, e acho que os ricos devem ficar um pouco menos ricos para que os pobres fiquem um pouco menos pobres, aliás, sem exagero. Assim sendo, e como o governo houvesse fechado os cassinos, fundei a “Sociedade Protetora das Girls". Comecei protegendo duas, e tudo corria muito bem quando minha mulher sugeriu, com certa violência, que era melhor aplicar a verba em menores abandonados. Argumentei que uma das girls era menor, e a outra, se não o era, o fora muito recentemente; e ambas estavam abandonadas; e quem sabe, meu Deus, o que lhes poderia acontecer lançadas ao abandono com aqueles corpos tão lindos e aquelas almas tão frágeis - mas tão frágeis! Que o que: minha “Sociedade Protetora" teve de ser fechada. Agora só funciona na ilegalidade; pois mesmo em segredo gosto de praticar a caridade, o que aliás penso que tem mais merecimento; e como é bom!

Aqui, para tristeza do leitor, encerro esta magnífica história, e se pensam que vou contar outra, muito se enganam, pois agora tenho mais o que fazer - e o tempo já me é pouco para fazer o Bem.

Texto extraído do livro:
200 crônicas escolhidas. Rubem Braga. Editora Record,

Rio de Janeiro. 1998.

sexta-feira, 20 de março de 2009

História do caminhão - Rubem Braga

CAPÍTULO I

Quando parou à minha porta o enorme caminhão fechado, com soldados de fuzil na mão, e um deles me perguntou: “é aqui?" - eu suspirei e disse que sim. Já fui preso várias vezes; não há de ser por mais uma que perderei minha natural dignidade.

Tratei de apanhar a escova de dentes, a pequena, frívola e patética escova de dentes que anda sempre na bolsa das senhoras desonestas e no bolso dos políticos perseguidos. E dispondo também de dois maços de cigarro, esperei impávido, embora chateado. Só então notei que o caminhão era do Ministério da Fazenda. Funcionários desembarcavam fardos, e começaram a colocá-los na saleta da frente. Isso não me agradou. Indiquei-lhes a entrada de serviço e ordenei que colocassem os fardos no quartinho da empregada. É, com vergonha o digo, um quartinho minúsculo onde uma pessoa não pode respirar com muita força que esgota completamente o ar. Em pouco tempo ele estava literalmente cheio de pacotes. Um suboficial aproximou-se de mim respeitosamente:

- Está entregue? Respondi secamente: - Pode retirar-se. O caminhão partiu. Voltei então ao livro que começara a ler, e que era um desses romances introspectivos tão profundos que a gente dorme e cai num estado de catalepsia; de maneira que esqueci o incidente.

Só pela noite, tendo chegado de uma fila onde se metera de madrugada, a empregada reclamou, e veio me tomar satisfações, como costumam fazer as empregadas modernas. Respondi-lhe que aquilo devia ser alguma ideia de minha mulher, que de vez em quando tem uma. Não desejo criticá-la; é uma senhora que tem seus encantos, mas depois de 25 anos de casado estou imunizado contra qualquer crise de desespero.

Se me aparecer em casa, embrulhado em papel colorido, um faquir vivo com uma trombeta na mão e uma lagartixa pendurada em cada orelha pela cauda, eu o recebo de boa cara, pois imagino que deve ser alguma ideia de minha mulher, e ela sem falta me provará que aquilo é excelente para espantar o homem que vem cobrar a prestação do sofá; que, com o dinheiro assim economizado, poderemos comprar quem sabe uma piteira de marfim, igual àquela que lhe presenteei quando éramos noivos e que ela perdeu num piquenique.

Ela é assim, minha mulher, prática e romântica; acostumei-me; e, afinal de contas, não tenho outra.

Quando descobri que os fardos continham notas de mil cruzeiros, logo percebi que houvera um engano. Que fazer? O governo anda confuso com muitos problemas e, sempre que não sabe o que fazer, faz dinheiro, que afinal de contas é uma coisa de que todo mundo gosta. Os oposicionistas sistemáticos ficam irritados e passam a metade do dia falando em inflação, dizendo que há dinheiro demais; e a outra metade do dia passa cavando o dinheiro, com certeza porque acham que é de menos que o possuem. Pensei em procurar o ministro da Fazenda e contar-lhe a história; mas com toda certeza o ministro não me receberia porque os ministros estão sempre muito ocupados em receber pessoas, e por causa disso jamais recebem quem quer que seja.

A mulher, chegando em casa, opinou que o melhor era eu ir à Polícia; mas não creio que fique bem a um homem honrado ir à Polícia por causa de negócios de dinheiro. Acabei, enfim, me conformando com o fato. “Pobre sim, honrado nunca” - dizia meu padrinho, que tinha esse lema e graças a ele morreu rico e foi enterrado com as maiores honrarias, com direito a prefeito e bispo. Lembrei-me disso, e também de que meu lar é humilde, como a maior parte dos lares do Brasil, e desde que casamos minha mulher está sempre querendo comprar umas coisas que jamais compramos. Nunca o fizemos por falta de dinheiro - pois digam o que disserem sobre inflação, em minha casa sempre reinou uma grande deflação. Só os sonhos inflavam dentro de nós; mas ultimamente, para falar a verdade, até eles andavam murchos. Sonhar cansa, como qualquer outra coisa; e com a velhice nós, pobres, já que não podemos economizar dinheiro, passamos a economizar ambições.

Já que eu estava com dinheiro, o papel era comprar coisas. Coisas as, tudo artigo estrangeiro, coisas de metal, luzidias, práticas, elegantes, elétricas, tipo de pós-guerra. Lembrei-me do tempo em que eu passava os domingos a ler o Jornal Brasil e a vontade que tinha de fazer mil e um negócios ali anunciados. Resolvi esperar até o domingo e comprar o jornal nesse dia, estava pululando de ofertas maravilhosas. Foi o que fiz; esperei o domingo. Leitor tenha um pouco de paciência e espere também até a próxima postagem para se embasbacar com o desenvolvimento desta agradável história.

quarta-feira, 18 de março de 2009

A palavra

Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos, saboreando-a.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 16 de março de 2009

Espelhos


As duas últimas semanas foram, no mínimo, curiosas. Durante esse período, jurei quatro vezes que seguiria a dieta, direitinho, para ficar bonita para o tipo de espelho que não tenho em casa. Contei pra vocês? Tenho espelhos para não apreciar reflexo de mim.

Um fica no quarto e é redondo, pequeno, velhinho, e eu o guardo como lembrança de superações. Mas isso em nada tem a ver com me olhar nele e me sentir linda que só. Atrás desse espelho, na moldura de cortiça, há rabiscos de alguém muito querido sobre isso: superação. Antes de chegar lá, essa pessoa escreveu sobre sua solidão atrás do espelho. Não consegui me desfazer dele.
O outro espelho nem meu é... O do banheiro, alugado com o apartamento, onde olho para mim, já saindo, todos os dias, só para saber se não estou descabelada.

Quando pequena, gostava mesmo era do reflexo meu na Represa Billings, quase quintal de casa; no tanque cheio de água para banho de refrescar da tarde quentíssima, nas grandes bacias que antecederam o chuveiro elétrico. Na verdade, não era o meu reflexo que importava, mas a forma como a água o despenteava, deixando minha imagem com um movimento que me agradava muito mais do que a linearidade que as pessoas teimavam em dar à imagem da outra, sem saber sequer se elas concordavam com ela.

Adolescente, tive uma penteadeira no quarto, herdada de minha mãe, na fase de querer me transformar em adulta de vez. À noite, olhava para o espelho suspeitando de que nele havia algum tipo de magia. Além de chamar relâmpagos para dançar e depois explodir em caquinhos, ouvi dizer que se olhasse no espelho, com a luz apagada, veria o reflexo dos espíritos que me acompanhavam. Por mais sedutora que me parecia a ideia de que o espírito tem uma jornada muito maior do que, na carcaça, podemos imaginar, o medo de me saber tão capaz de ir além do espelho me fazia recuar.
Antes de dormir, ficava em pé perto do interruptor, fechava os olhos e depois corria pra cama, garantindo que meus olhos não alisassem o espelho, durante o caminho.

Os espelhos d’água sempre me fascinaram de uma maneira muito intensa. Se me largarem à beira de uma poça de água, é capaz de eu ficar por lá um bom tempo, observando como o vento vem e reescreve a figura dela. Essa capacidade de mudança e, ao mesmo tempo, de se adequar ao espaço que lhe cabe no momento, tem um poder sobre a minha transformação – ou lapidação – pessoal. Sou uma pessoa melhor por conta das poças d’água que a vida permite observar, pular, secar, à escolha dessa freguesa aqui.

Talvez haja um espelho por aí que não seja cruel como o da bruxa da Branca de Neve, porque, pense bem, ver-se sempre linda, bonequinha, sabendo que basta puxar a máscara e não somente as rugas entrarão no palco, mas também essa coisa letal de acreditar que a imagem refletida deve ser sempre impecável. E durante essa ilusão de que o espelho, aquele enorme fixado na porta do armário ou na parede do quarto, é o sábio que abarca a identidade da beleza, perde-se a capacidade de olhar a si mesma com a sutileza da compreensão da própria humanidade.

Sei que nunca tive espelho para comprovar quando e se fui bonita, ou quando e se deixei de ser. Engraçado que você só sabe que é depois de ter sido, o que acho um pleonasmo temporal. E depois que foi, sabe Deus se conseguirá ser novamente, ou se o novo ser que cultivou caberá no espelho-modelo da sociedade. Para mim este espelho-modelo não serve, nunca quis caber nele, tampouco aplico suas regras às outras pessoas. Porém, é fato que seus cacos doem debaixo dos pés até de quem duvida da existência dele.

De vez em quando o espelho me dá uma canseira... Não os d’água... Esses eu gosto de namorar.

Carla Dias


quinta-feira, 12 de março de 2009

Noturno



Não sei por que, sorri de repente
E um gosto de estrela me veio na boca…
Eu penso em ti, em Deus, nas voltas
inumeráveis que fazem os caminhos…
Em Deus, em ti, de novo…
Tua ternura tão simples…
Eu queria, não sei por que, sair correndo descalço pela noite imensa
E o vento da madrugada me encontraria morto junto de um arroio,
Com os cabelos e a fronte mergulhados na água límpida…
Mergulhados na água límpida, cantante e fresca de um arroio!

Nunca ninguém sabe se estou louco para rir ou para chorar.
Por isso o meu verso tem
Esse quase imperceptível tremor…
A vida é louca, o mundo é triste:
Vale a pena matar-se por isso?
Nem por ninguém!
Só se deve morrer de puro amor…

Mário Quintana

terça-feira, 10 de março de 2009

Se o meu mundo não fosse humano


Se o meu mundo não fosse humano, também haveria lugar para mim:

eu seria uma mancha difusa de instintos,

doçuras e ferocidade, uma trêmula irradiação de paz e luta:

se o mundo não fosse humano eu me imaginaria sendo um bicho.

Por um instante então desprezo o lado humano da vida

e experimento a silenciosa alma da vida animal.

É bom, é verdadeiro, ela é a semente do que depois se torna humano.


(Clarice Lispector in A descoberta do mundo)

sexta-feira, 6 de março de 2009

As escolhas que fazemos


"As escolhas que fazemos, nos arrasta ou nos eleva.
Mas tudo depende do teu momento, de quem olha.
E da aceitação. Descobrir qual o caminho...
eis o maior desafio das asas."
Autor desconhecido


quinta-feira, 5 de março de 2009

Encomenda


"Desejo uma fotografia
como esta — o senhor vê? —
como esta: em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga,
que me empresta um certo ar de sabedoria.
Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não...
Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia."

Cecília Meireles

terça-feira, 3 de março de 2009

Bebido o luar


Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.

Sophia de Mello Breyner Andresen