terça-feira, 25 de outubro de 2011

Via-láctea




(...)

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

(...)

Pinta-me a curva destes céus... Agora,
Erecta, ao fundo, a cordilheira apruma:
Pinta as nuvens de fogo de uma em uma,
E alto, entre as nuvens, o raiar da aurora.

Solta, ondulando, os véus de espessa bruma,
E o vale pinta, e, pelo vale em fora,
A correnteza túrbida e sonora
Do Paraíba, em torvelins de espuma.

Pinta; mas vê de que maneira pintas... 
Antes busques as cores da tristeza, 
Poupando o escrínio das alegres tintas:

- Tristeza singular, estranha mágoa 
De que vejo coberta a natureza, 
Porque a vejo com os olhos rasos d'água.

(...)

Olavo Bilac


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