E assim escondo-me atrás da porta,
para que a Realidade, quando entra, me não veja. Escondo-me debaixo da mesa,
donde, subitamente, prego sustos à Possibilidade. De modo que desligo de mim,
como aos dois braços de um amplexo, os dois grandes tédios que me apertam - o
tédio de poder viver só o Real, e o tédio de poder conceber só o Possível.Triunfo assim de toda a realidade.
Castelos de areia, os meus triunfos?… De que coisa essencialmente divina são os
castelos que não são de areia?Como sabeis que, viajando assim, não
me rejuvenesço obscuramente?Infantil de absurdo, revivo a minha
meninice, e brinco com as ideias das coisas como com soldados de chumbo, com os
quais eu, quando menino, fazia coisas que embirravam com a ideia de soldado.Ébrio de erros, perco-me por momentos
de sentir-me viver.
Fernando Pessoa, in O livro do
desassossego
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