"Prefiro viver na ilusão de minha inocência, do que nessa vazia realidade."
Thais Vicentini
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
Os retirantes vêm vindo com trouxas e embrulhos
Vêm das terras secas e escuras; pedregulhos
Doloridos como fagulhas de carvão aceso
Corpos disformes, uns panos sujos,
Rasgados e sem cor, dependurados
Homens de enorme ventre bojudo
Mulheres com trouxas caídas para o lado
Pançudas, carregando ao colo um garoto
Choramingando, remelento
Mocinhas de peito duro e vestido roto
Velhas trôpegas marcadas pelo tempo
Olhos de catarata e pés informes
Aos velhos cegos agarradas
Pés inchados enormes
Levantando o pó da cor de suas vestes rasgadas
No rumor monótono das alparcatas
Há uma pausa, cai no pó
A mulher que carrega uma lata
De água! Só há umas gotas — Dá uma só
Não vai arribar. É melhor o marido
E os filhos ficarem. Nós vamos andando
Temos muito que andar neste chão batido
As secas vão a morte semeando.
Candido Portinari, Portinari Poemas, Iniciativa: EPTV – Emissoras Pioneiras de Televisão Realização: Projeto Portinari 1999.
De onde é que vem esses olhos tão tristes?
Vem da campina onde o sol se deita.
Do regalo de terra que teu dorso ajeita.
E dorme serena, no sereno e sonha.
De onde é que salta essa voz tão risonha?
Da chuva que teima, mas o céu rejeita.
Do mato, do medo, da perda tristonha.
Mas, que o sol resgata, arde e deleita.
Há uma estrada de pedra que passa na fazenda
É teu destino, é tua senda, onde nascem tuas canções
As tempestades do tempo que marcam tua história
Fogo que queima na memória e acende os corações
Sim, dos teus pés na terra nascem flores
A tua voz macia aplaca as dores
E espalha cores vivas pelo ar
Ah...Ah...Ah...
Sim, dos teus olhos saem cachoeiras
Sete lagoas, mel e brincadeiras
Espumas, ondas, águas do teu mar
Ah...Ah...Ah...
êeh laiá ...
Longe do estéril turbilhão da rua,Beneditino escreve! No aconchegoDo claustro, na paciência e no sossego,Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o empregoDo esforço: e trama viva se construaDe tal modo, que a imagem fique nuaRica mas sóbria, como um templo grego.
Não se mostre na fábrica o suplicioDo mestre. E natural, o efeito agradeSem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da VerdadeArte pura, inimiga do artifício,É a força e a graça na simplicidade.
Olavo Bilac
"São saudades de um mundo contente feito céu estrelado.
Feito flor abraçada por borboleta.
Feito café da tarde com bolinho de chuva.
Onde a gente se sente tranquilo como se descansasse num cafuné.
Onde, em vez de nos orgulharmos por carregar tanto peso,
a gente se orgulha por ser capaz de viver com mais leveza."
Ana Jácomo
Eu vim plantar meu castelo
Naquela serra de lá,
Onde daqui a cem anos
Vai ser uma beira-mar...
Vi a cidade passando,
Rugindo, através de mim...
A cidade
Passou me lavrando todo...
A cidade
Chegou, me passou no rodo...
Passou como um caminhão
Passa através de um segundo
Quando desce a ladeira na banguela...
Veio com luzes e sons.
Com sonhos maus, sonhos bons.
Falava como um camões,
Gemia feito pantera.
Ela era...
Bela... fera.
Eu pairava no ar, e olhava a cidade
Passando veloz lá embaixo de mim.
Eram dez milhões de mentes,
Dez milhões de inconscientes,
Se misturam... viram entes...
Os quais conduzem as gentes
Como se fossem correntes
Dum rio que não tem fim.
Esse ruído
São os séculos pingando...
E as cidades crescendo e se cruzando
Como círculos na água da lagoa.
E eu vi nuvens de poeira
E vi uma tribo inteira
Fugindo em toda carreira
Pisando em roça e fogueira
Ganhando uma ribanceira...
E a cidade vinha vindo,
A cidade vinha andando,
A cidade intumescendo:
Crescendo... se aproximando.
Eu vim plantar meu castelo
Naquela serra de lá,
Onde daqui a cem anos
Vai ser uma beira-mar...
Lenine