Cecília Meireles
terça-feira, 30 de setembro de 2008
Motivo
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
A complicada arte de ver

sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Silêncio

Diz-se o silêncio,
Não são precisas palavras,
Fala-nos por si e no meio de tanta gente,
Faz-nos sentir quanto é premente,
Vencer as barreiras que nos aporta o tempo...
Diz-se o silêncio,
Impõe-se, belisca-nos, agita-nos,
Porque nos mexe na alma e nos morde o corpo
Ao trazer até nós a premência, a urgência,
que nos impele o outro...
Diz-se o silêncio,
Ele é de ouro ou de prata,
Porque nos eleva,
Mesmo quando a saudade mata,
Sobe em nós a temperatura da consciência,
Ao penarmos pela ausência,
Mas sabemos que há uma memória que cura
e uma esperança que colmata...
Beatriz Barroso
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
Poema de primavera
Alice Poltronieri
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Cultura...
após ter esquecido o que leu. Revela-se no modo
de falar, de sentar-se, de comer, de ler um texto, de
olhar o mundo. É uma atitude que se aperfeiçoa
no contato com a arte.
Cultura não é aquilo que entra pelos olhos,
José Paulo Paes
terça-feira, 23 de setembro de 2008
O meu olhar é nítido como um girassol

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...Eu não tenho filosofia; tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…Fernando Pessoa
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Sou eu...

ISe me escapa dos dedos acarícia sem causa,se me escapa dos dedos...No vento ao passar...A carícia que vaga semdestino nem objeto,a carícia perdida, quem airá encontrar...?
IIEu pude amar esta noitecom piedade infinita,pude amar ao primeiro quedera certo chegar...e nada chega. Está só...minha mágoa aflita,e a carícia perdida estádifícil de encontrar...
IIISe em teus olhos te beijamesta noite meu anjo,e estremece as ramas daroseira, um doce suspirar...Se te apertam os dedos umamão frágil e pequena,que te toma e te deixa, queestá contigo sem estar...
IVSe não vês essa mão, e nemesta boca a te beijar,Oh... meu anjo, que tens osolhos fixos no céu...Ahé apenas do ar que tens ailusão deste troféu,vais saber que sou eu... daquide longe a te amar?..
Maria Antonieta R. Mattos
sábado, 20 de setembro de 2008
Um braço de mulher - Rubem Braga

sexta-feira, 19 de setembro de 2008
Asas ao tempo
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
A palavra dita
A palavra dita brinca de pular amarelinha em abismos, por isso, melhor mesmo é dizer amor numa combinação inspirada de adjetivos bem docinhos, que é para não azedar a palavra que sai bailando com a voz.
A palavra na boca pode amargar mais do que se escrita em carta de despedida, por exemplo. Se quiser dar uma palavra dita de presente, por favor, esmere-se em saber se a palavra tem cabimento. Sugiro que a deixe ecoar, várias vezes, na sua cachola, antes de botar a boca no trombone.
A palavra dita benquerença vem sempre acompanha de fôlego para superar situações difíceis.
Quando dita, a palavra fome provoca um barulho bem alto no estômago e um buraco daqueles na alma. É um esvaziamento... Por isso, às vezes a gente fica mudo, sentado na sala, as luzes apagadas, e quase desaparece.
Palavra dita tem força pra atrapalhar as idéias da gente, basta ser inesperada e sincera. A palavra dita sincera tem perfume de arco-íris desembocando no lago, onde pessoas colocam suas esperanças de aprender a nadar e chegar a algum lugar onde faça sentido quem se é.
Não sou da palavra dita... Não sei entoá-la ao gosto do meu coração. Na verdade, estou na fase em que começo a dizer, mas emudeço. Então, faço uma careta, deixo pra lá, quem sabe mais tarde que tarde não há de chegar.
A palavra dita tristeza compõe sonatas com as lágrimas da gente.
Ando mais preguiçosa do que nunca para dizer a palavra, mas acho que é medo de gastar saliva e dizer palavra que ninguém está a fim de ouvir. E a palavra dita, quando ignorada, fica dolente de um jeito miúdo; e não dá pra saber por que dói e nem curar. Ela fica lá, batucando mágoas, plantada num jardim de inseguranças.
A palavra dita noite pode garantir um amanhecer tão alegre quanto é a cara do girassol.
Poderia dizer a palavra, mas teria de ser da que evapora... Uma palavra que ficasse no ar pra sempre como fosse lembrança. A palavra fragrância, ofertório. Gosto de engolir a palavra que, se dita, desampara o sonho do outro.
Queria dizer a palavra lamento, mas sem lamentar tê-la dito. Que ela fosse a porta aberta, fim da distância entre mim e os outros; que tivesse o poder de atrair, não de forjar solidões. E que provocasse alvoroço, desarrumação, inquietudes dignas de recomeços.
A palavra morte carrega com ela pontos finais e vestidos pretos.
A palavra dita tem passado, presente e futuro. Quando conjugada aos verbos, sai berrando necessidades. Mas acontece de outra palavra dita lhe fazer companhia e amansar suas urgências.
Palavra dita fragmentada é aquela que diz mais do que reza o dicionário.
Aos pares, a palavra dita fica mais feliz e dá a luz a frases. Dia desses, uma frase dessas coube direitinho dentro do momento e soprou um sorriso no olhar do moço triste de carteirinha. Ele não soube de onde veio, mas agarrou uma gargalhada num abraço e rabiscou um poema no ar.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Quando nasci...

"Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim"
Chico Buarque
terça-feira, 16 de setembro de 2008
A rua dos cataventos

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!… E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons… acerta… desacerta…
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas…
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço…
Pra que pensar? Também sou da paisagem…
Vago, solúvel no ar, fico sonhando…
E me transmuto… iriso-me… estremeço…
Nos leves dedos que me vão pintando.Mário Quintana
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
A medida da vida
A gente sabe quando chegou a hora, quando não dá mais. No meu caso, é quando as meias se acumulam dentro dos sapatos. Sinal de que estou passando tempo demais fora de casa, sem tempo nem para lavar as meias enquanto tomo banho.
É nessa hora que a gente percebe que não fala com os pais há dias, que não liga para as pessoas queridas, que perdeu o enredo da vida dos amigos e, pior de tudo, que se extraviou de si mesmo.
Casa é o lugar onde a gente se encontra, onde a gente encontra tudo: a tesoura, o orégano, o livro. Casa é onde a gente anda de olhos fechados, de luz apagada. Casa é a cama sempre desfeita, sempre pronta para um descanso de costelas. Casa é o violão à mão, o tempo à inspiração.
Na falta da casa que é essa, pode-se brincar de casinha no meio do mundo — desde que haja silêncio. Se nós, humanos, praticássemos suficientemente o silêncio, chegaríamos, mais século, menos século, à telepatia. O silêncio é uma casa sem paredes.
As meias dentro do sapato fazem barulho. As cuecas sujas, irritadas, fazem barulho também. A mochila ainda não desfeita entra no desarranjo sonoro. O chuveiro elétrico grita friamente por um novo. Aquela canção incompleta, o vídeo não editado, o mapa astral não interpretado, o livro não revisado, o texto não escrito, o macarrão não cozinhado... tudo faz um barulho tremendo. Até o sono, atrasado, vira pesadelo.
A água transborda do copo desatento. A medida de todas as coisas perde a colherzinha certa. As coisas esquecem o tão necessário antes e depois, e viram coisa atrás de coisa que não se sabe como começou nem para onde foi. As coisas ficam sem história e viram manchetes —sensacionalistas — de jornal.
Dá vontade de virar bicho-do-mato. Porque diante de tanta coisa, de tanto ruído, ser bicho-do-mato é ser mais gente do que meia no sapato.
Eduardo Loureiro Jr.
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
Mergulho

Abro saídas na mata fechada
- densa floresta, rotas marcadas -
sol poente,
a inevitável escuridão que assusta.
Busco na meia-luz a claridade.
Tateio o véu indevassável
- labirinto obtuso -
ferimentos da alma dilacerada.
Cambaleio na margem
que se abriu na tormenta.
Lembro a pureza da nascente,
a esperança que me acompanhava.
Lavo o rosto amargurado e frio
nessa água pura, cristalina.
Perderam-se nas profundezas do rio
os reveses que sufocaram minha vida.
Flávio Villa-Lobos
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Como a lua

I
Olho a lua enquanto dormes...
Ela me assanha;
projetando luz em teus cabelos e;
indo em frente,
vai de teu semblante pelo pescoço,
lentamente,
e, iluminando teu dorso forte,
seu clarão banha...
II
Eu, em pé e recostada
no umbral de tua cabana...
Hoje rezo, choro e rogo,
sabendo inutilmente,
que o curso vagaroso
e feito pela lua refulgente,
eu não posso seguir...
Este amor me engana...
III
Mas me encorajo,
qual a lua silenciosa em teu leito...
Pé ante pé eu chego a tí...
Coração pulando no peito;
e como ela me aproximo,
vendo teu doce repousar...IV
Como ela, sinto teu calor,
que não me deixa respirar...
O estalo indevido ocorre e me aprumo...
Não tem jeito;
saio do quarto como vim...
Você poderia acordar...
Maria Antonieta R. Mattos
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Miséria alheia

Poucos são os que se importamCom a miséria que alastraE muitos deles nem suportamQuem na miséria se arrasta.Se ao longe vêem um pedinteOlham de um modo velado,E passam para a rua seguinteSó para não lhe passar ao lado.Tentando fazer de contaQue não se tinham apercebido,Atitude que remontaA um sentimento esquecido.Talvez se já soubessemO que custa passar fome,E as dores que acontecemA quem quer, mas que não come.Não procedessem desta formaE mudassem de atitude,E criassem outra normaPara que a miséria mude.Talvez assim o mundo mudassePara um modo de altruísmo,E a miséria acabasseAssim como o egoísmo.Zeninume
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Anoitecer
sábado, 6 de setembro de 2008
A verdade - Luis Fernando Veríssimo

- Agora me lembro, não era um homem, eram dois.
- E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem e o encontraram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel. E a donzela disse:
- Então está com o terceiro!
Pois se lembrara que havia um terceiro assaltante. E o pai e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque. Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue. E trouxeram o homem para a aldeia, e o revistaram e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para espanto dela.
- Foi ele que assaltou a donzela, e arrancou o anel de seu dedo e a deixou desfalecida - gritaram os aldeões. - Matem-no!
- Esperem! - gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço. - Eu não roubei o anel. Foi ela que me deu!
E apontou para a donzela, diante do escândalo de todos.
O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou dele e pediu um beijo. Ele deu o beijo. Depois a donzela tirara a roupa e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor. Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias. Então a donzela lhe oferecera o anel, dizendo "Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará o seu amor". E ele sucumbira, pois era pobre, e a necessidade é o algoz da honra.
Todos se viraram contra a donzela e gritaram: "Rameira! Impura! Diaba!" e exigiram seu sacrifício. E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço.
Antes de morrer, a donzela disse para o pescador:
- A sua mentira era maior que a minha. Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela sua. Onde está, afinal, a verdade?
O pescador deu de ombros e disse: - A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe. Mas quem acreditaria nisso? O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Testamento

O que não tenho e desejoVi terras da minha terra.
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os…
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:Criou-me, desde eu menino
Não tive um filho de meu.
Um filho!… Não foi de jeito…
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde…
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!Manuel Bandeira
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Flor de asfalto

sugestão de um crepúsculo de outono,
de uma folha que cai, tonta de sono,
riscando a solidão de uma alameda...
Trazes nos olhos a melancolia
das longas perspectivas paralelas,
das avenidas outonais, daquelas
ruas cheias de folhas amarelas
sob um silêncio de tapeçaria...
Em tua voz nervosa tumultua
essa voz de folhagens desbotadas,
quando choram ao longo das calçadas,
simétricas, iguais e abandonadas,
as árvores tristíssimas da rua!
Flor da cidade, em teu perfume existe
qualquer coisa que lembra folhas mortas,
sombras de pôr-de-sol, árvores tortas,
pela rua calada em que recortas
tua silhueta extravagante e triste...
Flor de volúpia, flor de mocidade,
teu vulto, penetrante como um gume
passa e, passando como que resume
no olhar, na voz, no gesto e no perfume,
a vida singular desta cidade!
Guilherme de Almeida
terça-feira, 2 de setembro de 2008
Samba de benção

É melhor ser alegre que ser tristeAlegria é a melhor coisa que existeÉ assim como a luz no coraçãoMas pra fazer um samba um samba com belezaÉ preciso um bocado de tristezaSenão não se faz um samba, não
Senão é como amar uma mulher só linda; e daí?Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da belezaQualquer coisa de triste, qualquer coisa que choraQualquer coisa que sente saudadeUm molejo de amor machucado,Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher,Feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amorE para ser só perdão
Fazer samba não é contar piadaQuem faz samba assim não é de nadaO bom samba é uma forma de oraçãoPorque o samba é a tristeza que balançaE a tristeza tem sempre uma esperançaDe um dia não ser mais triste não...E se hoje ele é branco na poesiaSe hoje ele é branco na poesiaEle é negro demais no coraçãoVinícius de Moraes
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Liberdade

Sou terra e fogo...Sou ar e água...Hoje ergo o cálice da liberdade...E saúdo os guardiões da sabedoria...
Olho o horizonte e sigo...Levo comigo toda a esperança...E as memórias do passado...
Meu grito é livre...ecoa no ar...E de pés descalço...Eu bailo sozinha...
Contemplando a minha...Liberdade...Adeus Solidão!!!
Vania Staggemeier