
sábado, 28 de fevereiro de 2009
Versões - Luis Fernando Veríssimo

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
O meu corpo transparente

A translucidez do meu corpo
revelará a pouca solidez da minha matéria?
Atravessam-me nuvens,
Atravessam-me pássaros,
Atravessam-me amores,
Rajadas fortes e ventos amenos.
Da invisibilidade do meu corpo
falará a minha vida, ou não.
Também da alegria, da tristeza, dos afetos.
Terei perdido os braços do abraço?
Terei perdido a boca do beijo?
Terei perdido consistência?
Onde anda a carne do meu corpo?
Quem me olhar, verá através de mim uma nuvem
carregada de chuva,
nuvens negras de borrasca,
mas também o sol a romper por entre elas.Autor desconhecido
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Na véspera
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Afinidade

A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos.
O mais independente.Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida.É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.A afinidade é singular, discreta e independente, porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas nem pelas pessoas que as tem.Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças, é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas, quantos das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou, sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais, a expressão do outro sob a forma ampliada e refletida do eu individual aprimorado.
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
É assim a nossa vida na terra
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Quem tiver olhos

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Se for possível, manda-me dizer
Se for possível, manda-me dizer:
- É lua cheia. A casa está vazia -
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
- É lua nova -
E revestida de luz te volto a ver.
Hilda Hilst
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
As minhas asas

Eu tinha umas asas brancas,Asas que um anjo me deu,Que, em me eu cansando da terra,Batia-as, voava ao céu.
Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas,
Mas uma noite sem luaQue eu contemplava as estrelas,E já suspenso da terra,Ia voar para elas,— Deixei descair os olhosDo céu alto e das estrelas...Vi entre a névoa da terra,Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas,Asas que um anjo me deu,Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funestaDe enfeitiçados amores...Fatal amor, negra horaFoi aquela hora de dores!
— Tudo perdi nessa horaQue provei nos seus amoresO doce fel do deleite,O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas,Asas que um anjo me deu,
Pena a pena me caíram...
Nunca mais voei ao céu.
Almeida Garrett
(in Flores sem Fruto)
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Ninguém escapa

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Canção do dia de sempre

“Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…"Mário Quintana
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Raças e cores

No Brasil, Senhor, não há raças
há cores, tonalidades
todos os matizes
numa hierarquia de cores, de classes
-preconceito, sim
(em casa, velado na rua)
segregação, nem tanto-
no processo de embranquecimento.
Raça, só dos animais inferiores.
Uma mestiçagem devoradora
-cruzamentos
até o infinito.
Uma nova etnia
fundindo ressentimentos
-da escravatura
-dos desterros
-das imigrações
em que se aprende
a dormir em rede
a despir-se
em que o dendê e a pimenta
não são mais privilégio de índios e africanos.
A luta é entre o arcaico
e o moderno,
entre o patriarcal
e o comunitário, porque,
negros, índios e mestiços
continuam pobres.
Antônio MirandaExtraído da obra TERRA BRASILIS.