
"Sonhos não morrem,
Chico Xavier
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas,
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes,
Abraçados contra a morte.
Alexandre O´Neill
Hoje desaprendo o que tinha aprendido ontem
E que amanhã começarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.
Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.
E do alto avisto os que folgam e assaltam, dono de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.
De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano,
permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a aprender.Cecília Meireles
A chuva me irritava.
Até que um dia descobri que maria é que chovia.
A chuva era maria.
E cada pingo de maria ensopava meu domingo.
E meus olhos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.
Eu era todo barro, sem verdura...
maria chuvosíssima criatura!
Ela chovia em mim, em cada gesto,
pensamento, desejo, sono e o resto.
Era chuva fininha e chuva grossa,
matinal e noturna, ativa... Nossa!
Não me chovas, maria, mais que o justo
chuvisco de momento, apenas susto.
Não me inundes de teu líquido plasma,
não sejas tão aquático fantasma!
Eu lhe dizia em vão - pois que maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.
E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,
que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.
Chuvadeira maria, chuvadonha,
chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!
Eu lhe gritava: Pára! E ela chovendo,
poças d'água gelada ia tecendo.
Choveu tanto maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa
e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.
E quanto mais as ondas me lavavam,
as fontes de maria mais chuvavam,
de sorte que com pouco, e sem recurso,
as coisas se lançaram no seu curso,
e eis o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvido.
Os seres mais estranhos se juntando na mesma aquosa pasta
iam clamando contra essa chuva estúpida e mortal.
catarata. (jamais houve outra igual).
Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d'água mais deliram.
e maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.
Os navios soçobram.
Continentes já submergem com todos os viventes,
e maria chovendo.
Eis que a essa altura, delida e fluida
a humana enfibratura,
e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,
e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais maria! - e ela parou.
Carlos Drummond de Andrade
Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
Eu vou falar com elas em segredo...E falo-lhes d'amores e de ilusões,
Choro e rio com elas mansamente...
Pouco a pouco o perfume de outrora
Flutua em volta delas, docemente...Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m'embriagaO espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que reflectia outrora tantos risos,
E agora reflecte apenas pranto,E o colar de pedras preciosas,
De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho
De vago e de feliz no meu passado...Mas de todas as prendas, a mais rara,
Aquela que mais fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca
Que a meus pés, desfolhaste, aquele dia...Florbela Espanca
Luz do Sol
Que a folha traga e traduz
Em verde novo
Em folha, em graça, em vida
Em força, em luz
Céu azul
Que vem até onde os pés
Tocam a terra
E a terra inspira e exala
Seus azuis
Reza, reza o rio
Córrego pro rio
Rio pro mar
Reza correnteza
Roça a beira,
Doura a areia
Marcha o homem sobre o chão
Leva no coração
Uma ferida acesa
Dono do sim e do não
Diante da visão
Da infinita beleza
Finda por ferir com a mão
Essa delicadeza
A coisa mais querida
A glória da vida
Luz do Sol...
Caetano Veloso