
— Is
this an elephant?
Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente não deve se deixar
levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à professora bastou
para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem propõe um grave
problema. Em vista disso, examinei com a maior atenção o objeto que ela me
apresentava.
Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa leviana poderia concluir
às pressas que não se tratava de um elefante. Mas se tirarmos a tromba a um
elefante, nem por isso deixa ele de ser um elefante; mesmo que morra em
consequência da brutal operação, continua a ser um elefante; continua, pois um
elefante morto é, em princípio, tão elefante como qualquer outro. Refletindo
nisso, lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas
patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir o
pequeno rabo que caracteriza o grande animal e que, às vezes, como já notei em
um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil.
Terminadas as minhas observações, voltei-me para a professora e disse
convincentemente:
— No, it's not!
Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minha resposta a havia
deixado apreensiva. Imediatamente perguntou:
— Is it a book?
Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no meio de livros,
conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um livro à primeira
vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles garrafas, tijolos ou
cerejas maduras — sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmo supondo
que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não seria um deles: não
parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou no máximo dois segundos:
— No, it's not!
Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita — mas só por alguns segundos.
Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estão sempre a se propor
questões, e se debruçam com uma curiosidade aflita sobre a natureza das coisas.
— Is it a handkerchief?
Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a verdade, não sabia o
que poderia ser um handkerchief; talvez fosse hipoteca... Não, hipoteca não.
Por que haveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era uma palavra sem a menor
sombra de dúvida antipática; talvez fosse chefe de serviço ou relógio de pulso
ou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fosse como fosse, respondi
impávido:
— No, it's not!
Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois me repugnava admitir que
aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredores pudesse ser um handkerchief.
Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, a pergunta foi
precedida de um certo olhar em que havia uma luz de malícia, uma espécie de
insinuação, um longínquo toque de desafio. Sua voz era mais lenta que das
outras vezes; não sou completamente ignorante em psicologia feminina, e antes
dela abrir a boca eu já tinha a certeza de que se tratava de uma palavra
decisiva.
— Is it an ash-tray?
Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar porque eu sei o que é
um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar porque, fitando o
objeto que ela me apresentava, notei uma extraordinária semelhança entre ele e
um ash-tray. Era um objeto de louça de forma oval, com cerca de 13
centímetros de comprimento.
As bordas eram da altura aproximada de um centímetro, e nelas havia
reentrâncias curvas — duas ou três — na parte superior. Na depressão central,
uma espécie de bacia delimitada por essas bordas, havia um pequeno pedaço de
cigarro fumado (uma bagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de um palito
de fósforos já riscado. Respondi:
— Yes!
O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve o rosto completamente
iluminado por onda de alegria; os olhos brilhavam — vitória! vitória! — e um largo
sorriso desabrochou rapidamente nos lábios havia pouco franzidos pela meditação
triste e inquieta. Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde impedir de
estender o braço e me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muito
excitada:
— Very well! Very well!
Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar com mulheres. A efusão
com que ela festejava minha vitória me perturbou; tive um susto, senti vergonha
e muito orgulho.
Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula; andei na rua com passo
firme e ao ver, na vitrine de uma loja, alguns belos cachimbos ingleses, tive
mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria entabulado uma longa
conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse naquele momento. Eu
tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:
— It's not an ash-tray!
E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia falar inglês, pois
deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua natal começa a ser
versada pelas pessoas de boa-fé do país junto a cujo governo é acreditado.
A crônica acima foi
extraída do livro "Um pé de milho", Editora do Autor - Rio de
Janeiro, 1964, pág. 33.
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