terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Palavras ao vento


A primeira letra do alfabeto é também a primeira letra da palavra amor e se acha importantíssima por isso!
Com A se escreve "arrependimento" que é uma inútil vontade de pedir ao tempo para voltar atrás e com A se dá o tipo de tchau mais triste que existe: "adeus"... Ah, é com A que se faz "abracadabra", palavra que se diz capaz de transformar sapo em príncipe e vice-versa...
Com B se diz "belo" - que é tudo que faz os olhos pensarem ser coração; e se dá a "bênção", um sim que pretende dar sorte.
Com C, "calendário", que é onde moram os dias e o "carnaval", esta oportunidade praticamente obrigatória de ser feliz com data marcada. "Civilizado" é quem já aprendeu a cantar "parabéns pra você" e sabe o que é "contrato": "você isso, eu aquilo, com assinatura embaixo".
Com D , se chega à "dedução", o caminho entre o "se" e o"então"... Com D começa "defeito", que é cada pedacinho que falta para se chegar à perfeição e se pede "desculpa", uma palavra que pretende ser beijo.
E tem o E de "efêmero", quando o eterno passa logo; de"escuridão", que é o resto da noite, se alguém recortar as estrelas; e "emoção", um tango que ainda não foi feito. E tem também "eba!", uma forma de agradecimento muito utilizada por quem ganhou um pirulito, por exemplo...
F é para "fantasia", qualquer tipo de "já pensou se fosse assim?"; "fábula", uma história que poderia ter acontecido de verdade, se a verdade fosse um pouco mais maluca; e "fé", que é toda certeza que dispensa provas.
A sétima letra do alfabeto é G, que fica irritadíssima quando a confundem com o J. G, de "grade", que serve para prender todo mundo - uns dentro, outros fora; G de "goleiro", alguém em quem se pode botar a culpa do gol; G de "gente": carne, osso, alma e sentimento, tudo isso ao mesmo tempo.
Depois vem o H de "história": quando todas as palavras do dicionário ficam à disposição de quem quiser contar qualquer coisa que tenha acontecido ou sido inventada.
O I de "idade", aquilo que você tem certeza que vai ganhar de aniversário, queira ou não queira.
J de "janela!, por onde entra tudo que é lá fora e de "jasmim", que tem a sorte de ser flor e ainda tem a graça de se chamar assim.
L de "lá", onde a gente fica pensando se está melhor ou pior do que aqui; de "lágrima", sumo que sai pelos olhos quando se espreme o coração, e de "loucura", coisa que quem não tem só pode ser completamente louco.
M de "madrugada", quando vivem os sonhos...
N de "noiva", moça que geralmente usa branco por fora e vermelho por dentro.
O de "óbvio", não precisa explicar...
P de "pecado", algo que os homens inventaram e então inventaram que foi Deus que inventou.
Q, tudo que tem um não sei quê de não sei quê.
E R, de "rebolar", o que se tem que fazer pra chegar lá.
S é de "sagrado", tudo o que combina com uma cantata de Bach; de "segredo", aquilo que você está louco pra contar; de "sexo": quando o beijo é maior que a boca.
T é de "talvez", resposta pior que "não", uma vez que ainda deixa, meio bamba, uma esperança... de "tanto", um muito que até ficou tonto... de "testemunha": quem por sorte ou por azar, não estava em outro lugar.
U de "ui", um "ài" que ainda é arrepio; de "último", que anuncia o começo de outra coisa; e de "único": tudo que, pela facilidade de virar nenhum, pede cuidado.
Vem o V, de "vazio", um termo injusto com a palavra nada; de "volúvel", uma pessoa que ora quer o que quer, ora quer o que querem que ela queira.
E chegamos ao X, uma incógnita... X de "xingamento", que é uma palavra ou frase destinada a acabar com a alegria de alguém; e de "xô", única palavra do dicionário das aves traduzida para o português.
Z é a última letra do alfabeto, que alcançou a glória quando foi usada pelo Zorro... Z de "zaga", algo que serve para o goleiro não se sentir o único culpado; de "zebra", quando você esperava liso e veio listrado; e de "zíper", fecho que precisa de um bom motivo pra ser aberto; e de "zureta", que é como fica a cabeça da gente ao final de um dicionário inteiro.


Pedro Bial

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Manhã de verão


As nuvens, que, em bulcões, sobre o rio rodavam,
Já, com o vir da manhã, do rio se levantam.
Como ontem, sob a chuva, estas águas choravam!
E hoje, saudando o sol, como estas águas cantam!
A estrela, que ficou por último velando,
Noiva que espera o noivo e suspira em segredo,
- Desmaia de pudor, apaga, palpitando,
A pupila amorosa, e estremece de medo.
Há pelo Paraíba um sussurro de vozes,
Tremor de seios nus, corpos brancos luzindo...
E, alvas, a cavalgar broncos monstros ferozes,
Passam, como num sonho, as náiades fugindo.
A rosa, que acordou sob as ramas cheirosas,
Diz-me: "Acorda com um beijo as outras flores quietas!
Poeta! Deus criou as mulheres e as rosas
Para os beijos do sol e os beijos dos poetas!"
E a ave diz: "Sabes tu? conheço-a bem... Parece
Que os Gênios de Oberon bailam pelo ar dispersos,
E que o céu se abre todo, e que a terra floresce,
- Quando ela principia a recitar teus versos!»
E diz a luz: "Conheço a cor daquela boca!
Bem conheço a maciez daquelas mãos pequenas!
Não fosse ela aos jardins roubar, trêfega e louca,
O rubor da papoula e o alvor das açucenas!
"Diz a palmeira: "Invejo-a! ao vir a luz radiante,
Vem o vento agitar-me e desnastrar-me a coma:
E eu pelo vento envio ao seu cabelo ondeante
Todo o meu esplendor e todo o meu aroma!"
E a floresta, que canta, e o sol, que abre a coroa
De ouro fulvo, espancando a matutina bruma,
E o lírio, que estremece, e o pássaro, que voa,
E a água, cheia de sons e de flocos de espuma,
Tudo, - a cor, o dano, o perfume e o gorjeio,
Tudo, elevando a voz, nesta manhã de estio,
Diz: "Pudesses dormir, poeta! no seu seio,
Curvo como este céu, manso como este rio!"
Olavo Bilac