terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Nada estará perdido...

" Nada estará perdido
enquanto estivermos em busca."
Santo Agostinho

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Meto-me para dentro, e fecho a janela


Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Oxalá a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,

Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lá fora um grande silêncio como um Deus que dorme.

Fernando Pessoa

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Balada das coisas sem importância


Conheço se há moscas no leite,

Conheço o tédio e o deleite,

Conheço a fartura e a fome,

Conheço pela chama o azeite,

Conheço tudo, menos a mim.
Conheço o gibão pela gola,
Conheço o rico pelo anel,
Conheço o fiel pela sacola,
Conheço a monja pelo véu,
Conheço o porco pela tripa,
Conheço o irmão pelo latim,
Conheço o vinho pela pipa,
Conheço tudo, menos a mim.
Conheço a mula e o cavalo,
Conheço o carro e a carreta,
Conheço a galinha e o galo,
Conheço o sino e a sineta,
Conheço a flor pelo talo
Conheço Abel e Caim,
Conheço o pote e o gargalo,
Conheço tudo, menos a mim.
Ofertório

Príncipe, conheço tudo em suma,
Conheço o branco e o carmim,
E a morte que o fim consuma.
Conheço tudo, menos a mim.
François Villon traduzido por Ferreira Gullar

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Papo mole beira-mar


Jorginho é taxista legítimo: folgado, cabeleira branca e barriga farta, boa praça, poliglota, puxa conversa até com surdo-mudo e conta histórias clássicas do cotidiano do Rio. Lábia afiada leva, na maciota do banco traseiro, a fauna e a flora carioca.

Trabalha de segunda a domingo e de sol a sol. Ano novo entra em recesso. Encosta o amarelo na garagem do apartamento da mãe na Praça do Lido para passar a virada com a família; bem longe da lei-seca. No festão de 2009/2010 Jorginho manteve a carteira de motorista no bolso da bermuda só para não se sentir pelado e, quase na hora dos fogos, decorou os chinelos com areia e sentou de frente ao mar para levar aquele papo cabeça com Iemanjá. Negociou as posturas para o ano que prometia a saúde dos seus e as boas corridas, reclamou – de leve – das intempéries pessoais, do síndico, do trânsito, dos preços, todos loucos do ano moribundo. Empolgado, cobrou mais ação da Rainha do Mar diante de tanta bagaceira ocorrendo no mundo. A Senhora pode fazer melhor, incentivou. Súdito assumido, não querendo ser desrespeitoso, mas firme, comentou com a Soberana que 2009 foi muito quente, o mar esteve indócil boa parte do ano e na outra fedendo a merda. Alguns peixes sumiram das redes, pinguins argentinos bateram nestes costados e plantas, aparentemente extraterrestres, invadiram as praias. Majestade, a Senhora não pode deixar essas coisas por isso mesmo, se não vira bagunça. Sei, sei – contemporizou – têm certas coisas que cansam, principalmente depois de certa idade e com tanto trabalho e concorrência terrena. Mas os seus filhos estão aqui na praia pedindo perdão, graça e força. Não é hora de amarelar. E por falar nisso, ando preocupado com Vossa Excelência. Assisti a um filme sinistro em que daqui a dois anos a Digníssima Majestade pira geral, chuta o balde e faz a maior bagunça com o planeta. Não deixa pedra sobre pedra, derruba até a concorrência do alto do Corcovado. Querida, antes que cheguemos a esse ponto vamos relaxar, pensar positivo, sabe? Nós estamos nos esforçando, por favor, não desista destes filhos inconsequentes. Ofereça-nos a oportunidade de sair da adolescência e - quem sabe? – consertar nossos erros.

Veio uma onda hostil pegando Jorginho em cheio. O taxista levantou todo molhado, mas não perdeu a compostura e soltou mais uma: Perdão, Mãe, eu estava só pensando alto. É uma mania minha, força do ofício. Mas se quiser pensar um pouco no assunto, este humilde servo se curva.

Fogos estouram, garrafas viram, gritos e urras. Antes do fim da queima de fogos, raios dividem os céus com a pólvora. Uma tempestade torrencial cai sobre os súditos esvaziando o tapete branco de Copacabana. Os que insistem em ficar, seja pelo poder da fé ou do álcool, são finalmente afugentados por ondas que apagam velas e enterram Cidras. Jorginho vê todo aquele alvoroço e pensa com seus chinelos: Eu e minha boca grande...

Texto e arte: Catarina Cunha

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Quem olha para fora...


"Quem olha para fora, sonha;
quem olha para dentro, desperta."
Carl Young