quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama


Inflama-me, poente: faz-me perfume e chama;
que o meu coração seja igual a ti, poente!
descobre em mim o eterno, o que arde, o que ama,
…e o vento do esquecimento arraste o que é doente!
Juan Ramón Jiménez

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Se seus sonhos...


Se seus sonhos são pequenos, sua visão será pequena, suas metas serão limitadas, seus alvos serão diminutos, sua estrada será estreita, sua capacidade de suportar as tormentas será frágil. Os sonhos regam a existência com sentido. Se seus sonhos são frágeis, sua comida não terá sabor, suas primaveras não terão flores, suas manhãs não terão orvalho, sua emoção não terá romances. A presença dos sonhos transforma os miseráveis em reis, faz dos idosos, jovens, e a ausência deles transforma milionários em mendigos, faz dos jovens idosos. Os sonhos trazem saúde para a emoção, equipam o frágil para ser autor da sua história, fazem os tímidos terem golpes de ousadia e os derrotados serem construtores de oportunidades.

Augusto Cury

sábado, 24 de outubro de 2009

Quem manda ser romântica?

Essa é em defesa dos românticos:

Se você ainda chora ou pelo menos se comove com certas canções, se você ainda olha, com carinho, para coisas obsoletas como a lua cheia, se você, ao conhecer certos locais incríveis, ainda pensa que irá lá um dia com seu amor, sinto muito, mas eu devo avisar: você está no século errado.

Século errado?! É, século errado. Peça o seu de volta, acho que se enganaram. Você é romântica, isso não se faz mais. Ninguém entende, é como falar chinês no Mineirão, vão olhar para você com perplexidade, talvez com pena.

Os séculos, minha amiga, mudam de ideia, mudam de roupa. O romantismo é uma roupa que não cabe mais. Fica apertada, a perna aparece, ou então fica lamentavelmente larga, grande, excessiva. Aliás, faz tempo que é assim. Lamartine Babo, compositor que trouxe a música brasileira de volta ao caminho da simplicidade, era um romântico incorrigível. Depois de receber cartas inteligentes e bem escritas de uma jovem de Boa Esperança chamada Vera, tomou um ônibus para ir conhecê-la, embora ela tenha dito que o encontro pessoal não seria possível. Chegando na cidade, ninguém quis dizer nada sobre a identidade da garota, embora todos rissem misteriosamente ao desconversar. Disposto a desvendar o segredo, Lamartine se dispôs a conversar com a menos sedutora das moças presentes. Ela, então, revelou-lhe o segredo: a inteligente autora das cartas, por quem Lamartine estava apaixonado, era o irmão dela, professor de Latim.

Pior: toda a cidade sabia do caso, e se divertia às custas dele. O tal professor chegava a ler em público, no clube da cidade, as respostas enternecidas de Lamartine. Nem por isso o genial compositor perdeu o bom humor, censurando-se apenas: "Bem feito, Lamartine! Quem mandou ser romântico?"

O melhor é ser duro, seco, impassível. Nem faça cara feia, leitora, a culpa não é minha, é do século. Faça como aquele colunista sentimental do jornal. Conhece a história? Foi assim. Uma mulher, desesperada porque encontrou o marido com outra, escreveu para a coluna sentimental do jornal. O problema é que a coluna era escrita por um homem. Ela escreveu dizendo: "Pelo amor de Deus, me ajude! Estava indo para o trabalho quando meu carro, sem nenhum motivo, deixou de funcionar. Peguei um táxi e voltei para casa. Encontrei, perplexa, meu marido na nossa cama com uma aluna dele, de vinte anos. Por favor, me ajude!"

Resposta do colunista: "Deve ter sido falta de combustível ou a injeção eletrônica. Procure um mecânico."

Felipe P. Braga Netto

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Um dia


Foi num tempo em que era dádiva
ganhar mais um dia de vida.
E em todo final de noite
resignado se despedia,
mas nem assim desistia.

Na frieza das paredes rudes,
no vazio das pessoas paredes,
na parede das pessoas frias
conseguia sentir seu toque.

Um leve halo, emoção, o cativava,
e o arrastava até o seguinte,
com seu consequente dia-a-dia.

E assim ia,
apesar das paredes.

Homilia
de gente rude, sem rosto,
mas nem assim desistia.

André Calazans

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Desejos vãos


Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a Árvore tosca e tensa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!

E o Sol, altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…

Florbela Espanca

sábado, 17 de outubro de 2009

Os maravilhosos domingos de Constantina

Todo domingo tem feira de artesanato e chorinho na Praça São Salvador.
É muito colorido e alegre. Nunca para Constantina que cultiva críticas ao belo como se fosse um vaso de espinho raro.
Caipirinhas com frutas exóticas, crianças correndo aos berros, velhos jogando dama nas mesas de granito, pula-pula, pipoca, fotografias antigas, livros raros, bolsas bordadas e tudo o mais muito caprichado.
Com toda essa felicidade latente, Constantina sai de seus aposentos, também todo domingo, só para implicar. Sem um centavo se quer na bolsa, pergunta preço só para reclamar que está caríssimo para camelô que nem paga imposto. Estranha um objeto, ao saber se tratar de uma luminária diz ser a coisa mais feia que vira em sua longa vida. Abre caminho entre as pessoas à bengaladas resmungando que ninguém mais respeita idoso. Manda o chorinho tocar Ataulfo Alves e não aquela porcaria. Xinga as crianças de mal-educadas porque os pais ficam enchendo a cara em vez de domar aqueles monstrinhos. Abana fumante fingindo falta de ar, vê bolor em empada fresca e mosca em água-de-coco. Feita a rota oficial do mau-humor, escolhe sua vítima solitária. De preferência que esteja com um sorriso idiota na cara.
Começa falando do tempo. Muito calor. Dorme mal. Se a vítima reagir observando que o céu está lindo é porque vai chover. Ilustra com a constatação de que, com esse tempo maluco, morre muita gente de gripe de porco, de galinha, de gente e até de mosquito. Sem contar que a violência está aí. Ontem mesmo mataram um menino com um tiro na testa. O mundo está perdido. E não adianta disfarçar com essa gente toda na praça e nenhum carro de polícia. A qualquer momento vem uma bala perdida e puf, acabou. Se eu fosse você não ficava com esse celular dando mole. Aqui é muito perigoso. Hoje em dia está todo mundo assim, doente. E por falar nisso, rapaz, você parece meio abatido. Já vai? É isso mesmo, vá para casa que é mais seguro e tome um copo de leite quentinho.
Triunfante, Constantina olha para o céu e comenta entre os dentes: Eu falei... vai chover, e muito!

Texto e arte: Catarina Cunha

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Verdade inventada

Mulher com chapéu lendo, 2007
Salvador Perez Bassols (Espanha 1948)

Não quero ter a terrível limitação de quem vive

apenas do que é passível de fazer sentido.

Eu não: quero uma verdade inventada.

Clarice Lispector

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Talvez

Talvez não ser,
é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando
o meio dia com uma

flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém

soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,

rajada de roseira,
trigo do vento,
E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos…
E por amor
Serei… Serás… Seremos…

Pablo Neruda

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Remorso


Às vezes uma dor me desespera…
Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera…
Ah! Mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude.

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

Olavo Bilac

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Canção do amor sereno


Vem sem receio: eu te recebo

Como um dom dos deuses do deserto

Que decretaram minha trégua, e permitiram

Que o mel de teus olhos me invadisse.

Quero que o meu amor te faça livre,

Que meus dedos não te prendam

Mas contornem teu raro perfil

Como lábios tocam um anel sagrado.

Quero que o meu amor te seja enfeite

E conforto, porto de partida para a fundação

Do teu reino, em que a sombra

Seja abrigo e ilha.

Quero que o meu amor te seja leve

Como se dançasse numa praia uma menina.

Lya Luft

sábado, 3 de outubro de 2009

Rio 2016

http://www.youtube.com/watch?v=oJPPdLYvMHQ

Will in Rio...

- Apoio à candidatura Rio 2016 -


A vida revela-se ao mundo...


"A vida revela-se ao mundo como uma alegria.
Há alegria no jogo eternamente variado dos seus matizes,
na música das suas vozes,
na dança dos seus movimentos.
A morte não pode ser verdade enquanto não desaparecer
a alegria do coração do ser humano."


(Rabindranath Tagore)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Olhando o mar


Sempre que fito o mar
tenho a ilusão de achar-me diante
de um silêncio amplo, ondulante,
de um silêncio profundo,
onde vozes lutassem por gritar,
por lhe fugirem do invisível fundo.


Diante do mar eu fico triste,
nessa mudez de quem assiste
reproduções do próprio dissabor;
diante do mar eu sou um mar,
a outro de apor
e a se indeterminar.


O mar é sempre monotonia,
na calmaria
ou na tempestade.
Fujo de ti, ó mar que estrondas!
porque a tristeza que me invade
tem a continuidade
das tuas ondas...


Mas te amo, ó mar, porque minha alma e a tua
são bem iguais: ambas profundamente
sensíveis, e amplas, e espelhantes;
nelas o ambiente
atua
apenas superficialmente...


Calma de cismas, de êxtases, de sonhos,
desesperos medonhos,
ânsias de azul, de alturas...
- Longos ou rápidos instantes
em que me transfiguro, em que te transfiguras...
Nos nossos sentimentos sem represa,
nas nossas almas, quanta afinidade!
- Tu sentindo por toda a natureza!
- Eu sentindo por toda a humanidade!


Nos dias muito azuis, o meu olhar,
atento,
a descer e a se elevar,
supõe o mar um espreguiçamento
do céu e o céu um êxtase do mar.


Há nos ritmos da água
marinha uma poesia, a mais completa,
essa poesia universal da mágoa.


O mar é um cérebro em laboração,
um cérebro de poeta;
nas suas ondas, vêm e vão
pensamentos, de roldão.


O mar,
imperturbavelmente, a rolar, a rolar...
O mar... - Concluo sempre que metido
em sua profundeza e em sua vastidão:
- o mar é o corpo, é a objetivação
do espaço, do infinito.


Gilka Machado