terça-feira, 30 de agosto de 2011

Sou hoje um caçador de achadouros da infância



Sou hoje um caçador de achadouros da infância.

Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal

vestígios dos meninos que fomos.


Manoel de Barros

sábado, 27 de agosto de 2011

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Um lugar deve existir...



"Um lugar deve existir

uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados vão parar"


Chico Buarque

terça-feira, 23 de agosto de 2011

O Povo ao Poder


Pelourinho (óleo sobre tela) Rachel Martins


Na tortura, na fogueira...
Nas tocas da inquisição
Chiava o ferro na carne
Porém gritava a aflição.
Pois bem... nest'hora poluta

Nós bebemos a cicuta
Sufocados no estertor;
Deixai-nos soltar um grito
Que topando no infinito

Talvez desperte o Senhor.

A palavra! Vós roubais-la
Aos lábios da multidão
Dizei, senhores, à lava
Que não rompa do vulcão.

Castro Alves. Excertos do poema O povo ao poder, 1864.


sábado, 20 de agosto de 2011

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Não fora o mar



Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efêmero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.




Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.




Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.

Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,

Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.


Fernanda de Castro, in “Trinta e Nove Poemas”

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Somos inocentes em pensar...



"Somos inocentes em pensar, que sentimentos são coisas
passíveis de serem controladas. Eles simplesmente vêm e vão,
não batem na porta, não pedem licença.
Invadem, machucam, alegram."
Caio Fernando Abreu

sábado, 13 de agosto de 2011

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O Poeta e a Rosa



(E com direito a passarinho)
Ao ver uma rosa branca
O poeta disse: Que linda!
Cantarei sua beleza
Como ninguém nunca ainda!
Qual não é sua surpresa
Ao ver, à sua oração
A rosa branca ir ficando
Rubra de indignação.
É que a rosa, além de branca
(Diga-se isso a bem da rosa…)
Era da espécie mais franca
E da seiva mais raivosa.
– Que foi? – balbucia o poeta
E a rosa; – Calhorda que és!
Pára de olhar para cima!
Mira o que tens a teus pés!
E o poeta vê uma criança
Suja, esquálida, andrajosa
Comendo um torrão da terra
Que dera existência à rosa.
– São milhões! – a rosa berra
Milhões a morrer de fome
E tu, na tua vaidade
Querendo usar do meu nome!…
E num acesso de ira
Arranca as pétalas, lança-as
Fora, como a dar comida
A todas essas crianças.
O poeta baixa a cabeça.
– É aqui que a rosa respira…
Geme o vento. Morre a rosa.
E um passarinho que ouvira
Quietinho toda a disputa
Tira do galho uma reta
E ainda faz um cocozinho
Na cabeça do poeta.
Vinícius de Moraes


terça-feira, 9 de agosto de 2011

Que a gente se divirta...



   


"Que a gente se divirta sem se matar,
que ame sem se contaminar,
que aprenda sem se enganar,
que viva sem se vender."
Lya Luft

sábado, 6 de agosto de 2011

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A felicidade...




"A felicidade vibra na frequência das coisas mais simples."

Ana Jácomo




quarta-feira, 3 de agosto de 2011

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Cantares




Tudo passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar
Nunca persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas de sabão
Gosto de ver-los pintar-se
de sol e grená, voar
abaixo o céu azul, tremer
subitamente e quebrar-se…
Nunca persegui a glória
Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar
Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar
Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar…
Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar”…
Golpe a golpe, verso a verso…
Morreu o poeta longe do lar
cobre-lhe o pó de um país vizinho.
Ao afastar-se lhe viram chorar
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso…
Quando o pintassilgo não pode cantar.
Quando o poeta é um peregrino.
Quando de nada nos serve rezar.
“Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso.
Antonio Machado
(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)
O poema que todo mundo conhece apenas uma estrofe.