Sou hoje um caçador de achadouros da infância.
Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal
vestígios dos meninos que fomos.
Manoel de Barros
Ao ver uma rosa brancaO poeta disse: Que linda!Cantarei sua belezaComo ninguém nunca ainda!
Qual não é sua surpresaAo ver, à sua oração
A rosa branca ir ficandoRubra de indignação.
É que a rosa, além de branca(Diga-se isso a bem da rosa…)Era da espécie mais francaE da seiva mais raivosa.
– Que foi? – balbucia o poetaE a rosa; – Calhorda que és!Pára de olhar para cima!Mira o que tens a teus pés!
E o poeta vê uma criançaSuja, esquálida, andrajosaComendo um torrão da terraQue dera existência à rosa.
– São milhões! – a rosa berraMilhões a morrer de fomeE tu, na tua vaidadeQuerendo usar do meu nome!…
E num acesso de iraArranca as pétalas, lança-asFora, como a dar comidaA todas essas crianças.
O poeta baixa a cabeça.– É aqui que a rosa respira…Geme o vento. Morre a rosa.E um passarinho que ouvira
Quietinho toda a disputaTira do galho uma retaE ainda faz um cocozinhoNa cabeça do poeta.
Vinícius de Moraes
Tudo passa e tudo ficaporém o nosso é passar,passar fazendo caminhoscaminhos sobre o mar
Nunca persegui a glórianem deixar na memóriados homens minha cançãoeu amo os mundos sutisleves e gentis,como bolhas de sabão
Gosto de ver-los pintar-sede sol e grená, voarabaixo o céu azul, tremersubitamente e quebrar-se…
Nunca persegui a glória
Caminhante, são tuas pegadaso caminho e nada mais;caminhante, não há caminho,se faz caminho ao andar
Ao andar se faz caminhoe ao voltar a vista atrásse vê a senda que nuncase há de voltar a pisar
Caminhante não há caminhosenão há marcas no mar…
Faz algum tempo neste lugaronde hoje os bosques se vestem de espinhosse ouviu a voz de um poeta gritar“Caminhante não há caminho,se faz caminho ao andar”…
Golpe a golpe, verso a verso…
Morreu o poeta longe do larcobre-lhe o pó de um país vizinho.Ao afastar-se lhe viram chorar“Caminhante não há caminho,se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso…
Quando o pintassilgo não pode cantar.Quando o poeta é um peregrino.Quando de nada nos serve rezar.“Caminhante não há caminho,se faz caminho ao andar…”
Golpe a golpe, verso a verso.
Antonio Machado
(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)
O poema que todo mundo conhece apenas uma estrofe.