quinta-feira, 28 de maio de 2009

Se pensássemos em todas as sortes...



"Se pensássemos em todas as

sortes que tivemos sem as merecer,

não teríamos coragem de

nos lamentar."

Jules Renard

terça-feira, 26 de maio de 2009

A felicidade


Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar
A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor
A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem
Tristeza não tem fim
Felicidade sim
Composição: Vinícius de Moraes/ Tom Jobim

sábado, 23 de maio de 2009

Velhinha de Taubaté (1915-2005) - Luis Fernando Veríssimo

Aqui vai uma releitura de um conto do Veríssimo:

Morreu no último dia 19, aos 90 anos de idade, de causa ignorada, a paulista conhecida como "A Velhinha de Taubaté", que se tornou uma celebridade nacional há alguns anos por ser a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo.
O fenômeno, que veio a público durante o governo Figueiredo, o último do ciclo dos generais, levou multidões a Taubaté e transformou a Velhinha numa das maiores atrações turísticas do estado.


Além de estandes de tiro ao alvo e de venda de estatuetas da Velhinha e de uma roda-gigante, ergueram-se tendas para vender caldo de cana e pamonha em volta da pequena casa de madeira onde a Velhinha morava sozinha com seu gato, e não era raro a própria Velhinha sair de casa e oferecer seus bolinhos de polvilho a curiosos que chegavam em ônibus de excursão para serem fotografados com ela e pedirem seu autógrafo.

A Velhinha sempre acompanhou a política e acreditou em todos os governos desde o de Getúlio Vargas, inclusive em todos os colaboradores dos governos militares, “até”, como costumavam dizer muitos na época, com espanto, no Delfim Netto!

O presidente Sarney telefonava frequentemente para Taubaté para saber se a Velhinha, pelo menos, ainda acreditava nele, e Collor foi visitá-la mais de uma vez para pedir que ela não o deixasse só.

As circunstâncias da morte da Velhinha de Taubaté ainda não estão esclarecidas. Sua sobrinha Suzette, que tem uma agência de acompanhantes de congressistas em Brasília embora a Velhinha acreditasse que ela fazia trabalho social com religiosas, informou que a Velhinha já tivera um pequeno acidente vascular ao saber da compra de votos para a reeleição do Fernando Henrique Cardoso, em quem ela acreditava muito, mas ficara satisfeita com as explicações e se recuperara.

Segundo Suzette, ela estava acompanhando as CPIs, comentara a sinceridade e o espírito público de todos os componentes das comissões, nenhum dos quais estava fazendo política, e de todos os depoentes, e acreditava que como todos estavam dizendo a verdade a crise acabaria logo, mas ultimamente começara a dar sinais de desânimo e, para grande surpresa da sobrinha, descrença.

A Velhinha acreditara em Lula desde o começo e até rebatizara o seu gato, que agora se chamava Zé. Acreditava principalmente no Palocci. Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio.

O ambiente no parque de diversão em torno da casa da Velhinha de Taubaté é de grande consternação.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Do outro lado da porta


Um amigo, certa vez, mostrou-me um roteiro de um curta que escreveu. O que me lembro dele é da incapacidade de o personagem girar a chave, abrir a porta e sair daquele universo que criou para si mesmo. O tempo todo, o personagem acha que aquela chave não existe, percebe-se numa prisão, mas ela está lá, ao alcance dele, enquanto o mesmo pede por socorro, para que alguém o tire dali.

Todos nós temos a capacidade de criarmos esse cenário de aprisionamento. Não é preciso ser infeliz para fazê-lo, basta se manter estático, não desejar sair do lugar, seja esse lugar abrigo para tristezas ou para alegrias. A falta de nuanças na vida da gente é das prisões mais receptivas, e nos recebe e acomoda sem mesmo percebermos entrar nelas.

Eu tenho uma coleção nada modesta de prisões, que acredito alimentar diariamente apenas ignorando a versatilidade da vida. O que me permite sair para o sol diário, passar apenas algumas horas na solitária, é a certeza de que quando não conseguimos fazer um movimento que nos dê a liberdade necessária para experimentar a vida, a própria nos dá um belo pontapé e nos manda sair andando. Nem sempre é fácil essa transição, mas certamente é construtiva.

Não consigo deixar de pensar nas coisas que deixei de fazer porque me senti compelida a acreditar não ser capaz. Olhando para trás, não é apenas um passado de tentativas vãs que me espia, mas sim a contemplação daquilo que independente de tempo e ainda pode fazer parte da minha biografia. Porque certos desejos são atemporais e dependem da sabedoria adquirida a cada prisão para serem realizados. Yin e yang.

A prisão nossa de cada dia, do esmero em não contrariar os fortes, saber lamentar os fracos; de cair no descontrole por ser contrariado, e até mesmo a sapiência que não é bem recebida e cuidada. Prisões são cantinhos onde guardamos as necessidades que não temos coragem de suprir, as frases que somos incapazes de proferir, as ideias e projetos que nos metem medo. É lá onde guardamos as belezas, os lugares, os sentimentos que queremos jamais deixar de sentir, mas que ali emudecem, empoeiram, são estancados. Proteger demais é aprisionar.

Acredito que um pouco de ousadia caia bem durante a liberdade, porque nos nutre de certa coragem para girarmos chaves, destrancarmos portas e cairmos no mundo. E ao voltarmos às prisões de cada dia – grades enfraquecidas – possamos vislumbrar o momento em que elas desabem: folhas despencando das árvores no outono.


Carla Dias

terça-feira, 19 de maio de 2009

Despedida


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras?
Tudo.
Que desejas?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.
Cecília Meireles

sábado, 16 de maio de 2009

O grampo da velhinha - Luis Fernando Veríssimo

Como se sabe, existe uma velhinha em Taubaté que é a última pessoa no Brasil que acredita. Ela acredita em anúncio, acredita em nota de esclarecimento, acredita até nos ministros da área econômica. Depois que foi localizada, a velhinha de Taubaté, coitada, não teve mais sossego. Todos os dias batem à sua porta querendo saber que canal ela está olhando, que produto ela está usando e se a explicação do governo sobre o último escândalo foi convincente. Ela sempre diz que foi.

Algumas agências de publicidade estão incluindo no seu approach de marketing um "Velhinha Factor", ou a questão: isto passa pela velhinha? Muitas entidades públicas e privadas mantêm a velhinha sob constante observação. Fala-se mesmo que existe em Taubaté uma unidade médica em prontidão permanente, exclusivamente para atender a velhinha em caso de mal súbito ou escorregão. Há uma convicção generalizada de que, quando a velhinha se for, tudo desmoronará. A boa saúde da velhinha interessa tanto ao governo quanto à oposição responsável. Se ela morrer - ou deixar de acreditar -, teremos o caos, que não convém ao projeto político de nenhum dos lados. Quando o Tancredo e o Figueiredo se encontrarem e um perguntar como vai a saúde, não estará se referindo nem ao outro, nem ao Aureliano. Estará falando da velhinha de Taubaté. Só a velhinha de Taubaté nos separa das trevas.

Por isto, segundo o Correio Braziliense, o SNI decidiu intensificar sua vigilância sobre a velhinha e um agente disfarçado de funcionário da companhia telefônica bateu à sua porta, há dias. Foi a própria velhinha, um pouco irritada com as constantes interrupções do seu tricô e do seu programa na TV, quem atendeu.

- Quié?

- Vim consertar o telefone.

- Eu não tenho telefone.

O agente pensou com rapidez.

- Vim instalar o telefone e depois consertar.

- Mas eu não comprei telefone nenhum.

- Deve ser presente de alguém.

- Quem me daria um telefone de presente?

- Alguém que está tentando ligar para cá e não consegue.

A velhinha acreditou. Mas pensou um pouco e decidiu:

- Se ele já vem estragado, eu não quero.

E fechou a porta. O agente entrou em contato com seus superiores. Recebeu instruções para adotar o Plano de Contingência B. No dia seguinte bateu à porta da velhinha vestido de mulher e apresentando-se como divulgadora de produtos de beleza. Apesar do bigode e da barba, a velhinha acreditou. Deixou-o entrar e enxotou um gato de uma poltrona para ele sentar.

- Estamos lançando uma linha de grampos para o cabelo e queremos que a senhora seja uma das primeiras a experimentar.

- Mmmm. São grátis?

- Absolutamente grátis. Só há algumas condições. A senhora precisa usá-los o tempo inteiro. Menos no banho, porque se molhar estraga o transmis... Estraga o grampo.

- E se eu quiser comprar depois de experimentar, posso?

- Pode.

- Quanto custa cada um?

- Dez mil dólares.

- É um pouco salgado...

A velhinha está usando os grampos o tempo inteiro, menos no banho e todas as suas reações estão sendo gravadas e mandadas para Brasília, para análise. Houve um momento de suspense quando a velhinha, em conversa com um gato, expressou algumas dúvidas sobre o caso Capemi. Mas as dúvidas passaram e a velhinha voltou a acreditar na versão oficial. Sua pulsação é firme. Sua digestão é boa. Fora uma pequena artrite, nada ameaça sua saúde. Ainda temos algum tempo antes do caos.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Datilografia


Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!

Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.

Outrora. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.

Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra ...

Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever.

Fernando Pessoa

terça-feira, 12 de maio de 2009

Ser livre é...


“Ser livre é não ser escravo das culpas do passado nem das preocupações
do amanhã. Ser livre é ter tempo para as coisas que se ama.
É abraçar, se entregar, sonhar, começar tudo de novo.
É desenvolver a arte de pensar e proteger a emoção.
Mas acima de tudo, ser livre é ter um caso de
amor com a própria existência.”

Augusto Cury


terça-feira, 5 de maio de 2009

Nel mezzo del camin...


Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha…


E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.


Hoje segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.


E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

Olavo Bilac


sexta-feira, 1 de maio de 2009

Pra ser feliz...


"Pra ser feliz é preciso uma perspectiva qualquer,

como a de qualquer gente que ama;
Pra ser feliz é preciso desvendar -se (muitas vezes, superar-se!),
e saber de si numa perspectiva qualquer."
Célia de Lima