sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sábio é o ser humano...


"Sábio é o ser humano que tem coragem de ir diante do espelho
da sua alma para reconhecer seus erros e fracassos
e utilizá-los para plantar as mais belas sementes no
terreno de sua inteligência."
Augusto Cury

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sonhos Azuis

Imagem em www.grendelart.carbonmade.com
Asas azuis, inquietas.
Sonhos bem frágeis de amor.
Almas puras e repletas
Do néctar fino da flor...

Deus, ó Deus, mas quem seria?

Quem haveria de estar
No sol morno deste dia
Por perfumes a vagar
Na primavera vadia?

- Os sonhos de amor infindo,
Asas volúveis, discretas,
No puro azul e tão lindo
Das pequenas borboletas.
Genildo Mota Nunes

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Amanhece

Amanhece
Água com gosto de pasta dentifrícia
O cheiro de café na cozinha
Uma cachorra sem nome a latir
Barulho de chaves a destrancar a porta
Carros chiando metais na avenida
Amanhece
Sol a correr no céu cinzento
Tecendo novas histórias de horror
Debaixo dos jacarandás
Debaixo dos trinados
Debaixo dos arco-íris
Amanhece
A cidade desperta aos poucos
A fumaça sobre o centro levita
Os cadernos no braço da estudante
Os sonhos de muitos cantam
Os sonhos de poucos esperam
Amanhece
O sorriso maroto do criador
Libertador de canções desesperadas
Nas missas das sete horas
Sermões sobre política e educação
As cores do nosso coração
Amanhece
Nuvens a ensaiar peças teatrais
Idéias a morrer nas mesas dos bares
Violões calados sem voz
Veias sujas que não querem cura
A violência da madrugada debaixo dos jornais
Amanhece
Bolha mágica cintilante
Cedo tudo se parece
Nebulosas gasosas
Espirais incandescentes
Pios de pássaros e sinos de igrejas

Amanhece
Sapatos sonolentos tropicam na calçada
O caos que domina a vida dos paulistas
Amor a regar flores nos vasos
Feirantes chamando as freguesas
O ritual de todas as manhãs

Carlos Assis

sábado, 25 de outubro de 2008

Em trilha de paca, tatu caminha dentro - Arnaldo Jabor


Hoje não tem estilo, não tem capricho, não tem figuras de retórica; nada de metáforas, metonímias, catacreses ou aliterações chiques como: “Rara, rubra, risonha, régia rosa!” ou “Na messe, que enlourece, estremece a quermesse”.

Hoje vai tudo em bruto, em rascunho, porque descobri na internet que sou uma besta quadrada mesmo (dirão meus inimigos: “Finalmente, ele se encontrou...”). Eu tenho traçado mal traçadas linhas há 13 anos (gente... eu escrevo em jornal desde 1991!...) numa média de 60 artigos por ano, o que totalizaria 780 artigos caprichados, e descubro aterrado na internet que sou um animal, um forte asno. Explico por quê.

Ando pela rua e as pessoas me abordam: “Adorei o seu artigo que está circulando na internet! Maior sucesso!” Pergunto, já com medo: “Que artigo?” “Esse texto genial que você escreveu e que todo mundo me mandou. Chama-se "Bunda Dura".

Imediatamente, sinto-me irreal: “Eu sou eu, ou sou outro?” Por um instante, penso que tenham renomeado algo que escrevi, mas respondo: “Não fui eu quem escreveu esse texto!” Digo isso envergonhado e vagamente agressivo para a pessoa, que logo replica: “Puxa!... mas o texto é ótimo, adorei o "Bunda Dura’!” Aí, não agüento e digo: “Você acha que eu ia escrever uma bosta dessas?” Aí, o admirador do texto apócrifo, o fã de um Jabor virtual se encolhe meio ofendido, flagrado em sua desinformação: “Mas... tem coisas legais...” E eu, implacável: “É uma bosta!” Aí, o sujeito sai sorrindo amarelo e vira meu inimigo para sempre.

Vejam o efeito da burrice “serial”: um burro me falsifica, um outro gosta e quem paga o pato sou eu. E fico mais invocado ainda porque capricho muito quando escrevo nos jornais, vocês nem imaginam. Considero o jornal um suporte genial, pois somos lidos por milhares toda semana e podemos falar do mundo ainda quente, sem a busca por transcendências perdidas, tanto assim que, se eu fizer um romance ou um poema épico em 11 cantos, tentarei escrever com a simplicidade leve que busco em meus pobres artigos. Mas o que realmente me encafifa é ver um clandestino simulando o que eu tenho de pior e também porque sou amado pelo que não sou.

Esse texto da “Bunda dura” está famoso. Toda hora alguém me elogia. Há trechos assim:

“Tenho horror à mulher perfeitinha. Sabe aquele tipo que faz escova toda manhã, tá sempre na moda e é tão sorridente que parece propaganda de clareamento dentário?

E, só pra piorar: tem a bunda dura!!! Mulheres assim são um porre. Pior: são brochantes!”

Aí, a admiradora de bunda caída repete, feliz: “Adorei!”.

A primeira vez que saiu um troço desses (vou escrever de qualquer jeito...) eu encuquei, fiquei na maior bronca e esculachei o carinha que “me tinha metido nessa canastrice” (sacaram os cacófatos?), pois o dito texto esculhambava a linda amiga Adriane Galisteu. Companheiro leitor, (serei chulo) tu num sabe o bode que essa parada deu, por causa que o elemento apocrifador era um coleguinha jornalista que publicara aquilo num outro jornal, que eu não sabia. Caí de pau no cara e isso me meteu num “cu-de-boi” chato pra cacete e tive de escrever outro artigo para me explicar para a Adriane.

Outros textículos rolam na internet. Chega a menina sorrindo pra mim: “Rapaz... finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres na internet! Mandei isso pra mil amigas, principalmente naquela parte que você diz: ”Elas são tão cheirosinhas... elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...“ ”Não escrevi isso...“, respondo. ”Não seja modesto! É a melhor coisa que já fez!... Olha só essa parte em que você diz: “Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!”...

Eu jamais escreveria “cós acaba!”. “Nem vem... é teu melhor texto...” — e vai embora rebolando feliz...

E não publicam só textos safadinhos, mas até coisas épicas, como uma esplendorosa “Ode aos gaúchos” que eu teria escrito, o que já me valeu abraços apertados de machos bigodudos em Porto Alegre, quebrando-me os ossos: “Ché, tua escritura estava macanuda, trilegal!” Eu nego ter escrito aquele ditirambo meio farroupilha aos bigodudos, mas nego num tom vago, para não ser esculachado: “Tu não escreveste? Então tu não amas nossas prendas lindas, e negas ter escrito aquele pedaço em que tu dizes ‘que a gente já nasce montado num bagual’? Aquilo fez meu pai chorar, e o pedaço em que falas que ‘por baixo do poncho também bate um coração’? Tu tá tirando o cu da reta, ché?” — e me aponta o dedo, de bombachas e faca de prata. “Não fui eu, não, mas... viva o Olívio Dutra!...”

E há mais. Um deles é sobre “Amores mal resolvidos” onde acho frases profundas como “Você sabe, o amor acaba.” Ou “dor-de-cotovelo é quando o amor é interrompido antes que se esgote”... E há um outro chamado “Crônica do amor louco”, onde leio “pálido de espanto”: “O amor não é chegado em fazer contas...” ou “quando a mão dele toca tua nuca, tu derretes feito manteiga” ou “Ah... o amor, essa raposa...”

Sei que outros escritos fantasmas virão, mas saibam que só existo mesmo nas páginas dos jornais onde tenho coluna pelo país afora e que a internet é um deserto virtual, sem chão, onde as individualidades se dissolvem e eu viro um nome sem corpo...

Por isso, vou dar um conselho aos meus ghost-writers : Sejam vocês mesmos! Apareçam na internet, bloguem-se , orkutem-se , spamem suas almas líricas, sem receio ou pudor. Lembrando-me daquele japonês chamado Aki Sujiro, eu aqui sugiro alguns teminhas, para vocês glosarem.

Aqui vão: “Tudo sobre minha mãe”, como no filme do Almodóvar, ou “Confissões de um menino no porão ou o dia em que dei num troca-troca”, ou até um texto de cunho mais folclórico e regional: “Em trilha de paca, tatu caminha dentro?”

Não temam, rapazes, não se escondam — expressem-se!

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Paixão de vida

Antes de qualquer outro pensamento,
Prende em mim a flor da vida...
Divina miraculosa diva
Qual a cor do sonho no firmamento
Lampejo, suspiro, gracejo...
Amor cravado no peito
Respiro cintilante, estou viva!
Realidade, ficção, entretenimento...
Caminha em seus passos, altiva,
A força de um pensamento...
Cara a cara com a flor da vida!
Que seria viver sem nenhum sofrimento?
Pois nada teria valor...
Nem a alegria na dor, o sustento!
Abigail Brasil


quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Crônica de Thiago Cunha


Especular sobre os devaneios das outras pessoas sempre vai te fazer pequeno.

Pensar, simples e involuntariamente, já esmaga muito do que você acredita, criando outras certezas que serão esmagadas um pouco depois.

É difícil acreditar em algo que exponha o que você realmente é.

É difícil, impossível ser uma coisa só. Talvez por isso algumas pessoas falem pouco, valorizando o poder do silêncio.

Talvez por isso algumas pessoas falem e riam tanto, mostrando a coragem que querem mostrar que tem, de ser... seja lá o que for.

Mentimos para nós mesmos, muitas vezes, só para nos convencermos de que somos tal coisa, de que nunca mudamos ou de que agora somos totalmente diferentes.

A verdade é que a nossa existência depende essencialmente da existência dos outros.

Nós somos tudo o que vimos, tudo do que gostamos, tudo o que fizemos e que normalmente não faríamos.

Nós somos aquele calafrio que se sente por alguém com quem você nunca conversou e que nem faz seu tipo, aquela alegria que vem sem explicação, durante o dia mais sem graça, o envolvimento com as personagens de um livro.

Ser é como amar, como ter esperança, essas coisas que não dão pra tocar e das quais a gente vive apanhando.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Autopsicografia


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Nesta vida, em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através desta névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive,
Numa só vida.
Mar sou; baixo marulho ao alto rujo,
Mas minha cor vem do meu alto céu,
E só me encontro quando de mim fujo.
Quem quando eu era infante me guiava
Senão a vera alma que em mim estava?
Atada pelos braços corporais,
Não podia ser mais.
Mas, certo, um gesto, olhar ou esquecimento
Também, aos olhos de quem bem olhasse
A Presença Real sob disfarce
Da minha alma presente sem intento.

Pousa um momento,
Um só momento em mim,
Não só o olhar, também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!
No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti teu olhar tem.
A ver até esquecer
Que tu és tu também.
Só tua alma sem tu
Só o teu pensamento
E eu onde, alma sem eu. Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.

Fernando Pessoa


segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Luz entre sombras

É noite medonha e escura,
Muda como o passamento*
Uma só no firmamento
Trêmula estrela fulgura.
Fala aos ecos da espessura
A chorosa harpa do vento,
E num canto sonolento
Entre as árvores murmura.
Noite que assombra a memória,
Noite que os medos convida,
Erma, triste, merencória.
No entanto... minha alma olvida
Dor que se transforma em glória,
Morte que se rompe em vida.
Machado de Assis, in 'Falenas'

sábado, 18 de outubro de 2008

A lição da rainha


Lula, numa visita à Europa, vai jantar com a rainha da Inglaterra. De repente, ele pergunta: "Vossa Majestade, a senhora me impressiona. Como pode estar sempre cercada de pessoas inteligentes? Como a senhora faz?" "Muito simples. Eu os deixo sempre em alerta. Faço um teste de QI regularmente, só pra ver se a inteligência deles ainda está bem viva." Lula fica surpreso e interessado: "E como a senhora faz isso?" A rainha concorda em lhe mostrar um exemplo. Pega o telefone e liga para Tony Blair: "Bom dia, Tony. Tenho um pequeno teste para você." Tony responde todo respeitoso: "Bom dia, Majestade. Pois não, estou pronto para o teste, pode perguntar."

"Muito bem Tony. O teste é o seguinte: - É filho do seu pai e da sua mãe, mas não é seu irmão, nem sua irmã. Quem é?" Tony Blair mata a charada: "Muito simples, Majestade: sou eu mesmo." A rainha aplaude: "Bravo, Tony! Como sempre, inteligente. Até a próxima."

Lula fica impressionadíssimo: "Wow!" De volta ao Brasil, ele decide botar em prática a técnica da rainha. Telefona para a companheira Dilma e pergunta: "Dilma, é o Lula, companheira. Tenho aqui um pequeno teste de inteligência para você."Dilma se prontifica. "Seguinte, Dilma: - É filho da sua mãe e do seu pai, mas não é seu irmão nem sua irmã. Quem é?" Dilma titubeia e responde: "Ah, Lula, eu não esperava um teste assim, de supetão. Tenho que pensar alguns minutos. Te telefono depois, certo?" "Sem problemas, até logo."

Imediatamente Dilma liga pro Eduardo Suplicy, pois ele tem fama de inteligente. Faz a mesma pergunta que lhe foi feita, a que Eduardo responde: "Ora, bolas! Sou eu mesmo, Dilma!" E Dilma liga novamente para o Lula: "Senhor presidente, poderia formular sua pergunta novamente, por favor? Creio que tenho a resposta." Lula puxa o papelzinho do bolso da calça e lê novamente a pergunta: "É filho de sua mãe e de seu pai, mas não é seu irmão nem sua irmã. Quem é?" Na ponta da língua, a Dilma responde vitoriosa: "Simples, presidente: ora, bolas, é o Eduardo Suplicy!"

Lula dá seu sorrisinho sabido e diz: - Te peguei, companheira Dilma. Sua resposta está completamente errada... o bebê é o Tony Blair!


quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Medo da eternidade



Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.

- Não acaba nunca, e pronto.

- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.

- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.

- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

- Perder a eternidade? Nunca.

O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

- Acabou-se o docinho. E agora?

- Agora mastigue para sempre.

Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.

Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. -Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.

Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

Clarice Lispector

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Ode à poesia

A poesia voa livre, pelo vento livre voa.
A rima me conduz como a leitura de Pessoa.
Dos Anjos que tem o verso nada angelical.
Chamou atenção como Baudelaire versando sobre o mal.
Baudelaire da poesia em prosa, dos paraísos artificiais.
Pasárgada, paraíso dos persas e de Manuel Bandeira.
O amor floresce nos versos de Cartola da Mangueira.
A poesia nasceu da rima. A rima tem funções demais.
Existe poesia sem rima! O poeta tem que ser sagaz, perspicaz.
Mas sem mensagem e sublime inspiração
A poesia não se constrói, não existe jamais.
Razão e emoção me confundem mas guiam minha mão.

De explicar a inspiração o artista nunca é capaz.
Compreenda o mal, faça o bem, busque a Paz!

autor desconhecido

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Simplicidade, felicidade

Simplicidade... Simplicidade...
Ser como as rosas, o céu sem fim,
a árvore, o rio... Por que não há de
ser toda gente também assim?

Ser como as rosas: bocas vermelhas
que não disseram nunca a ninguém
que têm perfumes... Mas as abelhas
e os homens sabem o que elas têm!

Ser como o espaço, que é azul de longe,
de perto é nada... Mas quem o vê
— árvores, aves, olhos de monge... —
busca-o sem mesmo saber porque.

Ser como o rio cheio de graça,
que move o moinho, dá vida ao lar,
fecunda as terras... E, rindo, passa,
despretensioso, sempre a cantar.

Ou ser como a árvore: aos lavradores
dá lenha e fruto, dá sombra e paz;
dá ninho às aves; ao inseto flores...
Mas nada sabe do bem que faz.

Felicidade — sonho sombrio!
Feliz é o simples que sabe ser
como o ar, as rosas, a árvore, o rio:
simples, mas simples sem o saber!

Guilherme de Almeida


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sonhos de menino

Acordado ou se dormia jamais saberei
Uma noite diferente, obra do destino
Não sei a razão mas meus olhos fechei
Estranha visão tive, era tão pequenino
No escuro nada via, perdido fiquei
Seria eu Homem ou apenas menino
Deveras assustado olhei em redor
Tentando entender um pouco melhor...

Uma luz branca surgiu e iluminou
Imensa, forte, cegava de tão brilhante
Dei voltas no ar, meu corpo rodopiou
Num raio de luz intenso e deslumbrante
Sem que avisasse nesse instante parou
Deixou-me noutro mundo, numa terra distante
À minha volta tudo luzia, encadeava
Sem explicação a viajar eu estava...
autor desconhecido

sábado, 11 de outubro de 2008

Tipo assim... - Kledir Ramil

Tô ficando velho!
Um dia desses, às 2 da manhã, peguei o carro e fui buscar minha filha adolescente na saída do show do Charlie Brown Jr. Ela e as amigas estavam eufóricas e eu ali, meio dormindo, meio de pijama, tentei entrar na conversa:
- E aí, o show foi legal?
A resposta veio de uma mais exaltada do banco de trás:
- Cara! Tipo assim, foda!
E outra emendou:
- Tipo assim, foda mesmo!
Fiquei tipo assim calado o resto do percurso, cumprindo minha função de motorista. Tô precisando conversar um pouco mais com minha filha, senão daqui a pouco vamos precisar de tradução simultânea. Pra piorar ainda mais, inventaram o ICQ, essa praga da Internet onde elas ficam horas e horas escrevendo abobrinhas umas pras outras, em código secreto. Tipo assim:
- kct! vc tmb nunk tah trank, kra. Eh d+, sl. T+ Bjoks. Jubys.
Em português:
- Cacete! Você também nunca está tranqüila, cara. É demais, sei lá. Até mais, beijocas. Jubys".
Jubys, que deve ser pronunciado "diúbis", é isso mesmo que você está imaginando, a assinatura.
Só que o nome de batismo é Júlia, um nome bonito, cujo significado é "cheia de juventude", que eu e minha mulher escolhemos, sentados na varanda, olhando a lua... pois Jubys é hoje essa personagem de cabelo cor de abóbora, cheia de furos na orelha que quer encher o corpo de piercings e tatuagens.
Tô ficando velho!
Outro dia tentei explicar pro mesmo bando de adolescentes o que era uma máquina de escrever. Nunca viram uma. A melhor definição que consegui foi "é tipo assim um computador que vai imprimindo enquanto você digita". Acho que não entenderam nada. Eu sou do tempo do mimeógrafo. Pra quem não sabe, é uma máquina que você coloca álcool e dá manivela pra imprimir o que está na folha matriz.
Por sua vez, essa matriz precisa ser datilografada (ver "datilografia" no dicionário) na tal máquina de escrever, sem a fita (o que faz com que você só descubra os erros depois do trabalho feito), com o papel carbono invertido... Enfim, procure na Internet que deve haver algum site sobre mimeógrafo, papel carbono, essas coisas.
Se eu ficar explicando cada vocábulo descontinuado, não vou conseguir acompanhar meu próprio raciocínio.
Voltando às garotas, a cultura cinematográfica delas varia entre a "obra" de Brad Pitt e a de Leonardo de Caprio. Há anos tento convencê-las a ver "Cantando na Chuva", mas sempre fica para depois. Um dia, cheguei entusiasmado em casa com a fita de um filme francês que marcou minha infância: "A guerra dos botões". Juntei toda a família para a exibição solene e a coisa não durou nem 5 minutos. O guri foi jogar bola, Jubys inventou "um trabalho de história sobre a civilização greco-romana que tem que entregar tipo assim até amanhã senão perde ponto" , e até minha mulher, de quem eu esperava um mínimo de solidariedade, se lembrou que tinha um compromisso com hora marcada e se mandou. Fiquei ali, assistindo sozinho e lembrando do tempo em que eu trocava gibi na porta do Capitólio.
Uma amiga me contou que o filho de 10 anos ficou espantado quando viu um telefone de discar. Sabe telefone de discar? É tipo assim um aparelho sem teclas, geralmente preto, com um disco no meio, todo furado, onde cada furo corresponde a um algarismo. Você enfia o dedo indicador no buraco correspondente ao número que precisa registrar, gira o negócio até uma meia lua de metal e solta a roleta, que lá por dentro está presa a uma mola e faz ela voltar à sua posição inicial.
Esse aparelho serve para conversar com outra pessoa como qualquer telefone comum, desde que esteja, é claro, conectado na parede.
Eu sou do tempo em que vidro de carro fechava com maçaneta. E o Fusca tinha estribo e quebra vento. Não espalha, mas eu andei de Simca Chambord, de DKW, Gordini, Aero Willis e até de Romiseta. Não dá pra explicar aqui o que era uma Romiseta, só vou dizer que era tipo assim um veículo automotivo, com 3 rodas, que a gente entrava pela frente e a direção era grudada na porta. Procure na Internet, deve haver um site.
Tá bom, tá bom, confesso mais. Usei Camisa Volta ao Mundo, casaquinho de Banlon, assisti à Jovem Guarda, o Direito de Nascer... mas é mentira essa história de que meu primeiro disco gravado foi em 78 rotações. Há pouco tempo, João, meu filho de 8 anos, pegou um LP e ficou fascinado. Botei pra tocar e mostrei a agulha rodando dentro do sulco do vinil. Expliquei que aquele atrito gerava o som que estávamos escutando... mas aí ele já estava jogando o Pokemon Stadium no Game Boy. Não é que ele seja desinteressado, eu é que fiquei patinando nos detalhes. Ele até que é bastante curioso e adora ouvir as "histórias do tempo em que eu era criança". Quando contei que a TV, naquela época, era toda em preto e branco ele "viajou" na idéia de que o mundo todo era em preto e branco e só de uns tempos para cá é que as coisas começaram a ganhar cores. Acho que de certa forma ele tem razão. Tipo assim...

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Seiscentos e sessenta e seis

A vida é uns deveres
que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
Eu nem olhava o relógio
Seguia sempre, sempre em frente...

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.


Mário Quintana

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Não chega tarde


I
Não! Nada chega tarde, porque
as coisas ciosas tem suas diferenças,
desde uma espiga até a flor...
E qualquer tempo é tempo para
que chegue o amor
tudo tem seu tempo justo, como
o trigo e a rosa...

II
Não! O amor não chega tarde em
teu coração e o meu,
o amor; a qualquer hora, não bate
em porta certa...
ele a toca desde o lado de dentro
porque ela está aberta
E porque sabe que não existe amor
tardío, só no apogeu...
III
E se existe um amor valente... tem
outro que é covarde, mas, de
todo modo, nenhum deles
chega tarde...

IV
Amor... Um Eros insano tendo nas
faces um sorriso louco,
e nada está a salvo se ele, às aflições,
magicamente suaviza
se aproximando lentamente, assim
como vem a brisa...
lança sua flecha certeira, só pra se
divertir um pouco...

V
É assim que este menino-deus
travesso joga, sempre forte,
e sempre mais, enquanto a flecha
entra na ferida...
E até porque, tem nela mesma, o
veneno da ilusão perdida,
a mulher se queda atingida, ferida
profundamente de morte

VI
A mulher arde em sua chama de
paixão... E mais e mais arde...
E mesmo assim não poderemos
dizer que o amor chega tarde...

VII
Não...! Eu não direi nunca em qual
noite de verão, eu não direi
nunca sobre a noite que
só a ti, te digo...
noite que me incendiou o sangue,
que fiquei contigo,
que me estremeceu de febre tua mão
em minha mão...

VIII
Não...! Eu não direi nada dessas
coisas e, todavia menos,
direi do que eu pude observar, em tua
fisionomia pesada...
Mostravas então um rosto
pétreo... Era como uma porta fechada,
levando à rodo minha alegria e amor...
Meus dias serenos...

IX
Nada mais... É porque não era o tempo
do trigo e nem da flor... E,
nem sequer então, eu pude dizer que...
Chegou tarde o amor.


Maria Antonieta R. Mattos

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Acreditar é importante

"Acreditar é importante, tão importante que é fundamental para se conseguir algo. É paradoxal às vezes, pois quanto maior a dificuldade, também maior é a certeza ou a intuição. E quando conseguimos alcançar o objetivo saimos fortalecidos para o próximo desafio. Enfim, só acredita quem ama."

Cícero Alvernaz

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Objetivo


Nos confins do Universo,
Mora uma alma encarnada.
Dentro dess'alma um verso,
Dentro do verso uma estrada...
Nos confins dessa estrada,
Mora algo pequenino.
Dentro do algo, uma escada.
E, na escada, o destino.
Genildo Mota Nunes

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A flor e a fonte

“Deixa-me, fonte!” Dizia
A flor tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
cantava levando a flor.

“Deixa-me, deixa-me fonte!”
Dizia a flor a chorar:
“Eu fui nascida no monte...
Não me leves para o mar.”

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

“Ai, balanços do meu galho,
Balanços do berço meu;
“Ai, claras gotas de orvalho
Caídas do azul do céu!...”

Chorava a flor, e gemia
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria,
Rolava levando a flor.

“Adeus, sombra das ramadas,
Cantigas do rouxinol,
“Ai, festas das madrugadas,
Doçuras do pôr-do-sol;

“Carícia das brisas leves
Que abrem rasgões de luar...
“Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar!...”

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor.

Vicente de Carvalho


quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Os acrobatas


Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse fisica dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.

Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmesurados
Na calma convulsa da ascensão.

Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o
tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!

Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!

Tu e eu, herméticos
As nádegas duras
A carótida nodosa
Na fibra do pescoço
Os pés agudos em ponta.

Como no espasmo.

E quando
Lá, acima
Além, mais longe que acima do além
Adiante do véu de Betelgeuse
Depois do país de Altair
Sobre o cérebro de Deus

Num último impulso
Libertados do espírito
Despojados da carne
Nós nos possuiremos.

E morreremos
Morreremos alto, imensamente
IMENSAMENTE ALTO.
Vinícius de Moraes