quinta-feira, 27 de maio de 2010

Aninha e suas pedras


Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz da tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
Cora Coralina

terça-feira, 25 de maio de 2010

Despalavra



Agora só espero a despalavra: a palavra nascida
Para o canto - desde os pássaros.
A palavra sem pronúncia, ágrafa.
Quero o som que ainda não deu liga.
Quero o som gotejante das violas de cocho.
A palavra que tenha um aroma ainda cego.
Até antes do murmúrio.
Que fosse nem um risco de voz.
Que só mostrasse a cintilância dos escuros.
A palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem.
O antesmente verbal: a despalavra mesmo.

Manoel de Barros

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O meu segredo

Revelar meu segredo? não, por certo;
Talvez quem sabe, um dia em breve.
Mas hoje não; tombou geada e neve.
Se a curiosidade te hei desperto
E sem pudor o que queres ouvir, pois bem:
O segredo é meu, não conto a ninguém.

Talvez nem haja nada que contar:
Imagina afinal que não há segredo,
Era só a brincar.
Hoje está frio, é um dia azedo
Em que faz falta uma roupa abafada,
Um xale e mantas que nos aqueçam;
Não posso abrir a todos quantos peçam,
Deixar o vento entrar-me de rajada,
Rodear-me, cercar-me,
Aturdir-me, assustar-me,
Enregelar-me sob esse disfarce
Que me aconchega;
Pois quem quer desnudar-se
Ao vento frio que o há-de fustigar?
Não me fustigarias, obrigada,
Mas deixa essa verdade inda velada.

É bela a Primavera; todavia
Não confio em Março com seus tremores,
Nem em Abril c'oa breve chuva fria,
Muito menos em Maio cujas flores
Murcham c'oa geada da noite sombria.

Talvez num dia lânguido de Estio,
Quando o sol faz as árvores dormitar
E se cobre de ouro a loura espiga,
Com fresca brisa mas sem nenhum frio
E o vento muito manso a soprar;
Talvez o meu segredo eu te diga,
Ou tu possas adivinhar.

Christina Georgina Rossetti

terça-feira, 18 de maio de 2010

Desde que estou retirando...

CANDIDO PORTINARI, Retirantes (Retirantes), 1944
Col. Museu de Arte de São Paulo, Assis Chateaubriand São Paulo, Brasil

Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira.)



João Cabral de Melo Neto in Morte e Vida Severina

sábado, 15 de maio de 2010

A maior parte das pessoas...

"A maior parte

das pessoas é

tão feliz quanto

resolve ser."

Abraham Lincoln

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Gosto quando te calas


Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheias da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma
e te pareces com a palavra melancolia.
Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.
Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinquo e singelo.
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre que não seja verdade.
Pablo Neruda

terça-feira, 11 de maio de 2010

Rimas, abraços e curativos

Dia de luz, festa de sol, e o barquinho a deslizar, Copacabana, céu e mar. Sol quente, areia quente, água fria, vou entrar. Tá cheio de criança no mar, que m'importa se eu não sei nadar?

E na cadência da pobre rima fui andando e corrompendo a obra de Bôscoli e Menescal, água na canela e precaução, tudo é paz, tudo é verão.

Dois passos à minha frente, uma senhora, cabelo vermelho nas pontas, braços estendidos para o mar e uma voz solene:

Vem meu filho, vem me dar um abraço! - se não falava com as pessoas a sua volta, também não se importava que ouvissem.

É o Rio de Janeiro: quando tudo está bom, alguma coisa tem de acontecer ou o tédio se instala. E aconteceu aquela invocação. Trocaram-se olhares, risinhos, alguns gargalharam, outros apontaram o cabelo vermelho, e assim estabeleceu-se a cumplicidade entre desocupados à procura de uma vítima. Dei mais alguns passos e me senti pertencendo à malta. Ria, enquanto pensava, e cometia novas rimas, se era ecologia, religião, filosofia, lirismo ou psiquiatria, o que levava alguém a convidar Netuno para um abraço.

Não pensei por muito tempo. A onda explodiu no meu peito e eu caí sentado. Com o susto, inspirei com força e a água entrou pelos sete buracos da minha cabeça, como diria Caetano. Era o começo das dores. A areia embaixo de mim começou a fugir e eu fui atrás dela, arrastado por outras camadas que também se moviam para o fundo. Pela fricção percebi que já não havia mais o tecido de proteção, entre mim e o chão e, pela ardência, imaginei a água se tingindo de vermelho. Como a areia, a água também voltou para o fundo e me descobriu a cabeça. Mas não durou muito.

Outra onda me atingiu e eu me senti numa lavadora. Batia a cabeça, às vezes o pé, o ombro se arrastava e subia, e agora eram as costas, e eu girando, sem saber se eu já estava no fundo do Atlântico ou a poucos metros do calçadão. Estiquei braços e pernas tentando encontrar o chão. Mas onde estava o chão?

O chão ia continuar desaparecido ou surgindo em forma de lixa por muito tempo. Muitas sacudiduras depois, muitos litros de água salgada no estômago e quem sabe no pulmão, o mar se cansou e devolveu seu brinquedinho à areia. Outras ondas ainda me alcançaram, mas me permitiram ficar lá, de bruços, guinchando para respirar. A água foi generosa, pois se afastou a lycra para melhor se esfregar no chão, ela própria se encarregou de recolocá-la quase no lugar. Esse quase provocou risos e piadas, mas evitou linchamento por ato obsceno.

Divertiram-se as pessoas, depois foram cuidar de suas vidas porque nem estabacado na praia eu merecia toda essa atenção. Com a dignidade que me restava, tentando encobrir uma escoriação mais ridícula, puxei para cima a lycra cheia de areia, e fui para casa.

Até hoje não sei se irritei o mar, a bossa-nova, ou os dois. Isso aconteceu há alguns anos e tenho voltado regularmente à praia. Nessas ocasiões, estendo os braços, confiro se alguém não está me observando e repito discretamente:

- Vem, meu filho, vem me dar um abraço.

Pode ser que não tenha nada a ver, mas como fazem Chico e Vinícius, "eu, que não creio, peço a Deus por minha gente".

E a verdade é que,
depois desse cuidado,
ainda peco pela rima,
mas nunca mais
morri afogado.


Albir José da Silva

sábado, 8 de maio de 2010

A ciência...

" A ciência está longe de conhecer o mundo
de uma maneira perfeita e adequada; ela tem,
no entanto, a pretensão legítima de descobrir
para nós, em parte, a natureza
e as suas leis."
Jovielt

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Sonho impossível


Sonhar
Mais um sonho impossível.
Lutar
Onde é fácil ceder,
Vencer o inimigo invencível,
Negar quando a regra é vender.
Sofrer a tortura implacável,
Romper a incabível prisão,
Voar num limite improvável,
Tocar o inacessível chão.
É minha lei, é minha questão,
Virar esse mundo,
Cravar esse chão.
Não me importa saber
Se é terrível demais.
Quantas guerras terei de perder
Por um pouco de paz?
E, amanhã, se esse chão que eu beijei
For o meu leito e perdão,
Bom saber que valeu delirar
E morrer de paixão.
E, assim, seja lá como for,
Vai ter fim a infinita aflição,
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão!

(Trecho de O Homem de La Mancha, peça teatral
inspirada no livro Don Quixote de La Mancha, de
Miguel de Cervantes.
Versão das canções por
Chico Buarque e Ruy guerra).



terça-feira, 4 de maio de 2010

Eu escrevi um poema triste

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que escreves
Faço barcos de papel!

Mário Quintana in A Cor do Invisível



sábado, 1 de maio de 2010

Não seja um escravo...


"Não seja um escravo dos padrões
que plantaram em você."
Augusto Cury