quinta-feira, 31 de julho de 2008

Uma luz na janela

Toda tarde quando voltava cansada do trabalho para minha casa, passava pelo centro da pequena praça de minha cidadezinha. Caminhando distraída pelas aléias cheias de flores, não percebia mais nada além do perfume no ar exalado pelas plantas e de uma janela que ficava ao fundo, destacando-se no escuro da tarde em seu quadrado iluminado.
Todos os dias era a mesma coisa, quando entrava na praça, via ao fundo a janela e sentia o perfume no ar.

Passaram-se semanas naquela rotina.

Certa noite, voltando um pouco mais tarde que o costume, andei mais devagar pelas aléias perfumadas. De vez em quando parava para olhar ao redor, cheirava o ar! Alguma coisa estava diferente, e não conseguia imaginar no que poderia ser! Continuei andando pela praça, distraída e pensativa, até que me veio a lembrança: A JANELA!

Ora! Vejam só! O que me chamou a atenção foi isto: “a janela estava escura.”

Fiquei a imaginar o que teria acontecido! Por que a janela estava escura hoje?

Parei, e fiquei a olhar na direção onde deveria estar o retângulo de luz. Fiquei ali alguns minutos, sem pensar em nada, apenas olhando naquela direção. O barulho de um carro passando em uma rua lateral tirou-me então daquele devaneio, e voltando à realidade da vida, pensei: Como o ser humano se apega às mínimas coisas! Como aquela luz refletida em uma janela desconhecida, já fazia parte do meu dia a dia! O simples fato de não estar lá naquela noite, causou-me um sentimento de perda, ao ponto de fazer-me ficar ali parada, pensando!

Então analisei, como muitas coisas e acontecimentos, essa janela já fazia parte da minha jornada pela vida!

(Paola Rhoden)

Garimpo de Palavras, Antologia de contos premiados da editora Guemanisse, lançado em setembro de 2007.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Bird of Brazil

"Faz muito tempo, eu guardo em mim,
aqui dentro, uma jóia singular.
Do meu tamanho, feito um pássaro estranho de pegar.
Que se alimenta só das notas que inventa pra cantar.
Desde pequeno, meu canário sereno, ele só faz o que quer.
Voa no vento e canta o meu pensamento de mulher.
Voa ligeiro, meu canário maneiro, bem-me-quer.
Solto nas matas, entre as almas sensatas,
ninguém nunca descobriu, meu relicário,
precioso canário do Brasil."

(por Joyce)

terça-feira, 29 de julho de 2008

Temos que descansar temporariamente de nós

"Temos que descansar temporariamente de nós,
olhando-nos de longe e de cima e, de uma distância
artística, rindo sobre nós ou chorando sobre nós: temos
de descobrir o herói, assim como o parvo, que reside
em nossa paixão pelo conhecimento, temos de alegrar-
nos vez por outra com nossa tolice, para podermos
continuar alegres com nossa sabedoria."

Friedrich Nietzsche

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Chove...

Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida,
Triste de quem é assim.

Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter.

Quem eu pudera ter sido
Que é dele, entre ódios pequenos
De mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!
(Fernando Pessoa)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

No caminho das borboletas

Sigo as borboletas coloridas
Aceno para a infância querida
Vou deixando um arco-íris
Dentro dos olhos de cada pessoa.

Jogo moedas na fonte da juventude
Desejo a felicidade em virtude
Sorrio para o céu
Da cor da minha camisa.

Tenho sentimentos que me levam longe
Passo fronteiras, ultrapasso limites,
A esperança nunca acaba,
O deslumbramento também não.

Girassóis enfeitam o caminho,
Infinito de se aventurar
Ando num carrossel divertido
Que é simples de se imaginar.

Sigo as borboletas coloridas
Sentindo uma inspiração gostosa
Uma das mãos esquenta no bolso
e a outra aprecia uma maçã vistosa.


(por Teris Henrique Filho)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Amizade virtual?

Quando surgiu essa fascinante rede mundial de comunicação – a internet –, abriram-se infinitas possibilidades de interação entre as pessoas pelo mundo todo, multiplicando-se amizades, amores, conhecimento… e muito mais…
Na vida, pode-se utilizar de forma indevida qualquer objeto: a mesma faca que corta seu pão poderá servir para ferir alguém… os mesmos lábios que utilizamos para beijar e acariciar, poderão ser veículos de infâmias e calúnias… O bom uso depende do usuário e de suas intenções.
Para os homens de boa-vontade, a internet tem amplos e positivos significados: desde uma fonte inesgotável e sempre crescente de conhecimento, sabedoria e reflexão, a uma possibilidade real de espantar o fantasma da solidão - para os tímidos, para os idosos, para qualquer um de nós…
E para os românticos, então…
Para os românticos assumidos, tornou-se um cantinho mágico, onde amizades e amores interagem e proliferam positivamente; onde mensagens, poemas, meditações e reflexões, trocados constantemente, trazem alento às almas sofridas, são bálsamos de ternura e encantamento que tornam o dia-a-dia mais feliz e as horas de incerteza, mais suportáveis… e para os não-românticos, uma chance de também se envolver e descobrir o fascínio dessa convivência mágica.
Convencionou-se chamar o universo da internet de “espaço virtual”.
Serão essas pessoas amigos virtuais?
Não…
São reais. São amigos reais.
São reais em sua presença diuturna em nossas vidas, nos proporcionando ensinamentos, ajudando-nos a nos tornarmos seres humanos melhores.
São reais na medida em que nos incentivam em nosso processo contínuo de aperfeiçoamento moral, com a difusão de palavras em mensagens que nos conduzem a preciosos momentos de reflexão.
São reais, porque vivenciam conosco momentos reais de felicidade.
São reais porque nos ajudam a compreender que a verdadeira felicidade passa pelos bons sentimentos: de amor ao próximo, de solidariedade, de convivência pacífica, e se realiza – como diz uma meditação – pela paz na Terra aos homens de boa-vontade.
Assim é a internet para os homens de boa-vontade…
E sempre existirá a esperança de que ela poderá ter um significado positivo também para os demais, pois, afinal, o desejo do Criador é de que a paz e o amor cheguem não apenas para os homens de boa-vontade, mas para todos, especialmente aos que ainda não encontraram a boa-vontade!
(por Oriza)

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Flutuar da alma


Teu coração a pulsar de amores
ousa desafiar a tua angústia,
e te soltas na festa da vida.
Esvanecem teus receios em calorosos brindes,
e te lanças, tão pura, aos sorrisos imprudentes.
Tua alma flutua lancinante,
vagueando num indefinido rumor de sonhos,
onde declinam razão e expectativas tantas.
Gritas teus anseios a toda a gente,
expurgando tuas dores mais secretas.
Trazes o desejo do universo,
de abraçares, divina, a raça humana,
como a redimir seus inconfessáveis pecados,
porque tua bondade assim te inebria.
Não sabes, porém os efeitos do teu gesto
a descortinar em severo e pungente espelho,
ante um mundo cego e assustado,
negando-se em ti a ele próprio.
No teu íntimo ecoa uma doce melodia
a te convidar ao enleio das estrelas,
mas não achas teu par naquele baile de sonhos,
somente a severa punição da tua encantada dança.
O teu coração ainda pulsa de amores,
e bombeia agora a tua doce rebeldia,
sempre a desafiar a insistente angústia
com o mágico poder dos teus íntimos sonhos.
(autor londrino)

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Velho tema

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
(Vicente de Carvalho)

sábado, 19 de julho de 2008

Aula de inglês - Rubem Braga

— Is this an elephant?

Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente não deve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à professora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem propõe um grave problema. Em vista disso, examinei com a maior atenção o objeto que ela me apresentava.

Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa leviana poderia concluir às pressas que não se tratava de um elefante. Mas se tirarmos a tromba a um elefante, nem por isso deixa ele de ser um elefante; mesmo que morra em conseqüência da brutal operação, continua a ser um elefante; continua, pois um elefante morto é, em princípio, tão elefante como qualquer outro. Refletindo nisso, lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir o pequeno rabo que caracteriza o grande animal e que, às vezes, como já notei em um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil.

Terminadas as minhas observações, voltei-me para a professora e disse convincentemente:

— No, it's not!

Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minha resposta a havia deixado apreensiva. Imediatamente perguntou:

— Is it a book?

Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no meio de livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um livro a primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles garrafas, tijolos ou cerejas maduras — sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmo supondo que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não seria um deles: não parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou no máximo dois segundos:

— No, it's not!

Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita — mas só por alguns segundos. Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estão sempre a se propor questões, e se debruçam com uma curiosidade aflita sobre a natureza das coisas.

— Is it a handkerchief?

Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a verdade, não sabia o que poderia ser um handkerchief; talvez fosse hipoteca... Não, hipoteca não. Por que haveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era uma palavra sem a menor sombra de dúvida antipática; talvez fosse chefe de serviço ou relógio de pulso ou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fosse como fosse, respondi impávido:

— No, it's not!

Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois me repugnava admitir que aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredores pudesse ser um handkerchief.

Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, a pergunta foi precedida de um certo olhar em que havia uma luz de malícia, uma espécie de insinuação, um longínquo toque de desafio. Sua voz era mais lenta que das outras vezes; não sou completamente ignorante em psicologia feminina, e antes dela abrir a boca eu já tinha a certeza de que se tratava de uma palavra decisiva.

— Is it an ash-tray?

Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar porque eu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar porque, fitando o objeto que ela me apresentava, notei uma extraordinária semelhança entre ele e um ash-tray. Era um objeto de louça de forma oval, com cerca de 13 centímetros de comprimento.

As bordas eram da altura aproximada de um centímetro, e nelas havia reentrâncias curvas — duas ou três — na parte superior. Na depressão central, uma espécie de bacia delimitada por essas bordas, havia um pequeno pedaço de cigarro fumado (uma bagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de um palito de fósforos já riscado. Respondi:

— Yes!

O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve o rosto completamente iluminado por onda de alegria; os olhos brilhavam — vitória! vitória! — e um largo sorriso desabrochou rapidamente nos lábios havia pouco franzidos pela meditação triste e inquieta. Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde impedir de estender o braço e me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muito excitada:

— Very well! Very well!

Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar com mulheres. A efusão com que ela festejava minha vitória me perturbou; tive um susto, senti vergonha e muito orgulho.

Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula; andei na rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja, alguns belos cachimbos ingleses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:

-- It's not an ash-tray!

E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia falar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua natal começa a ser versada pelas pessoas de boa-fé do país junto a cujo governo é acreditado.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Segurando os segundos

Numa fração de segundos soltamos papagaios,
rimos de todas as palhaçadas e até fazemos caretas.
Numa fração de segundos, de olhos fechados,
as mãos digitam o texto sem pensamento.
Numa fração de segundo,
tudo que foi dor se dissolve,
amigos ausentes tornam-se eternamente presentes,
vivos dentro do seguinte segundo.
Numa fração de segundos,
nem há qualquer interferência de vida,
somente o instante e escreve-se assim,
sem saber porque nem pra quem.
Somente toda a alma exposta, derramada.
Nesta fração de segundo já não sou mais a mesma
do segundo de antes.
(por Júnia Gianetti)

quinta-feira, 17 de julho de 2008

A fome no mundo

Crianças da fome sentida de perto,
Crianças morrendo de fome chegando,
Armas em punho matando crianças,

Cranças morrendo de fome no mundo,

Guerras impunes e comida faltando,

No prato de muitos comida sobrando,

No prato de outros nem migalhas raspando.

Estas crianças, aqui perto morrendo

E nós aqui parados olhando,

Enterrando estes corpos

E nada fazemos,

Sofremos sentidos que a falta da fome

Que falta no mundo

Também é nossa e me culpo.

(por Francisco Albano Boscatto)


terça-feira, 15 de julho de 2008

O velho e a flor


Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.
Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:
O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.
(Vinícius de Moraes)


segunda-feira, 14 de julho de 2008

Visita à casa paterna

Como a ave que volta ao ninho antigo
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei: Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno
Tomou-me as mãos, - olhou-me – grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala...(Oh, se me lembro! E quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.


(Luís Guimarães Júnior)


sábado, 12 de julho de 2008

É necessário...

"É necessário ter o caos cá dentro
para gerar uma estrela..."

Friedrich Nietzsche


Desabafos de um bom marido - Luis Fernando Veríssimo

Minha esposa e eu temos o segredo pra fazer um casamento durar: duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida, e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras, e eu às quintas.

Nós também dormimos em camas separadas. A dela é em Fortaleza e a minha em São Paulo. Eu levo minha esposa a todos os lugares, mas ela sempre acha o caminho de volta. Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento. “Em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!” ela disse. Então eu sugeri a cozinha.

Nós sempre andamos de mãos dadas. Se eu soltar, ela vai às compras. Ela tem um liquidificador elétrico, uma torradeira elétrica, e uma máquina de fazer pão elétrica. Então ela disse: “Nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar”. Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.

Lembrem-se, o casamento é a causa número um para o divórcio. Estatisticamente, 100 % dos divórcios começam com o casamento. Eu me casei com a “Sra. Certa”. Só não sabia que o primeiro nome dela era “Sempre”.

Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la. Mas tenho que admitir, a nossa última briga foi culpa minha. Ela perguntou: “O que tem na TV?” E eu disse “Poeira”.

No começo Deus criou o mundo e descansou. Então, Ele criou o homem e descansou. Depois, criou a mulher. Desde então, nem Deus, nem o homem, nem Mundo tiveram mais descanso.

Quando o nosso cortador de grama quebrou, minha mulher ficava sempre me dando a entender que eu deveria consertá-lo. Mas eu sempre acabava tendo outra coisa para cuidar antes: o caminhão, o carro, a pesca, sempre alguma coisa mais importante para mim.

Finalmente ela pensou num jeito esperto de me convencer. Certo dia, ao chegar em casa, encontrei-a sentada na grama alta, ocupada em podá-la com uma tesourinha de costura. Eu olhei em silêncio por um tempo, me emocionei bastante e depois entrei em casa. Em alguns minutos eu voltei com uma escova de dentes e lhe entreguei. “- Quando você terminar de cortar a grama”, eu disse, “você pode também varrer a calçada.”

Depois disso não me lembro de mais nada. Os médicos dizem que eu voltarei a andar, mas mancarei pelo resto da vida. O casamento é uma relação entre duas pessoas na qual uma está sempre certa e a outra é o marido…

Incrível!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Aquarela poética

Meus lapsos de pensamentos...
Na mente a se juntar...
Transbordam em sentimentos...
E querem em papel rimar...

Procuro uma folha qualquer...
Aquarela para pintar...
Em palavras de mulher...
As cores do verbo amar.

As decepções do dia-a-dia...
Paixões...Sonhos...Esperanças...
As mãos levam ao papel nostalgia...
A mente sem vigilância.

De tudo que vem à mente...
O lápis borda no papel...
Expondo o coração da gente...
Tomando forma de cordel.

É como válvula de escape...
Por em palavras, quimeras...
Tramando e formando enlaces...
Nas cores da Aquarela.

(por Marilene Mees Pretti)


quinta-feira, 10 de julho de 2008

Eu guardo em mim

Eu guardo em mim
dois corações

um que é do mar

um das paixões
um canto doce
um cheiro de temporal
eu guardo em mim
um deus, um louco, um santo
um bem e um mal

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A viagem

Corre pela rua, sem saber bem se é uma fuga ou se é sua salvação. Nos pés, um par de sandálias, nas mãos, uma maleta com algumas roupas, nos olhos límpidos e profundos, lágrimas e vontade de olhar para trás.

Mas não há mais volta, agora que o caminho é outro. O jeito é seguir em frente, lutando contra o medo do desconhecido que insiste em aparecer.

A cabeça, dando mil voltas, não consegue sequer estruturar os pensamentos em frases, eles correm mais que ela. Ela se sente só.

Com o mundo inteiro à sua volta, seu coração se sente só. Ela é uma fortaleza esperando uma batalha que quebre suas enormes paredes de pedra.

Mas parece que nunca vai c h e g a r . . .

Ela correcorrecorre... e cansa. Os pés doem, os olhos ardem, o corpo não consegue mais manter-se em pé.

Senta sobre a mala e olha para o horizonte: o sol se põe, mas não é um belo entardecer; é angustiante: só dá a ela a incômoda medida de que ela está viva e vazia. Desiste.

Quando o cansaço invade a alma, é hora de parar.

terça-feira, 8 de julho de 2008

O padeiro

Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.

Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:

- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
"Então você não é ninguém?"
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
E assobiava pelas escadas.
(por Rubem Braga)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Navegue, descubra tesouros


Navegue, descubra tesouros,
mas não os tire do fundo do mar, o lugar deles é lá.
Admire a lua, sonhe com ela,
mas não queira trazê-la para a terra.
Curta o sol, deixe-se acariciar por ele,
mas lembre-se que o seu calor é para todos.
Sonhe com as estrelas, apenas sonhe,
pois elas só podem brilhar no céu.
Não tente deter o vento, ele precisa correr por toda a parte,
ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde.
Não apare a chuva, ela quer cair e molhar muitos rostos,
não pode molhar só o seu.
As lágrimas? Não as seque, elas precisam correr na minha,
na sua, em todas as faces.
O sorriso! Esse você deve segurar,
não o deixe ir embora, agarre-o!
Quem você ama?
Guarde dentro de um porta jóias, tranque, perca a chave!
Quem você ama é a maior jóia que você possui, a mais valiosa.
Não importa se a estação do ano muda,
se o século vira e se o milênio é outro, se a idade aumenta;
conserve a vontade de viver, não se chega a parte alguma sem ela.
Abra todas as janelas que encontrar e as portas também.
Persiga um sonho, mas não o deixe viver sozinho.
Alimente a sua alma com amor, cure as suas feridas com carinho.
Descubra-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades,
mas não enlouqueça por elas.
Procure, sempre o fim de uma história, seja ela qual for.
Dê um sorriso a quem se esqueceu como se faz.
Acelere seus pensamentos, mas não permita que eles o consumam.
Olhe para o lado, alguém precisa de si.
Abasteça o seu coração de fé, não a perca nunca.
Mergulhe de cabeça nos seus desejos e satisfaça-os.
Agonize de dor por um amigo,
só saia dessa agonia se conseguir tirá-lo também.
Procure os seus caminhos, mas não magoe ninguém nessa procura.
Arrependa-se, volte atrás, peça perdão!
Não se acostume com o que não o faz feliz,
revolte-se quando julgar necessário.
Alague o seu coração de esperanças,
mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as.
Se perder um amor, não se perca!
Se achá-lo, segure-o!
(Fernando Pessoa)


sábado, 5 de julho de 2008

Devaneios

O estudo das enfermidades mentais, objeto da psiquiatria, é assunto muito complexo.

Só com muitos anos de pesquisa e dedicação se poderia discorrer seriamente sobre o tema.

Partindo da premissa, porém, de que "de médico e de louco todo mundo tem um pouco", o objeto deste documento é discutir as semelhanças e diferenças entre os quatro tipos básicos de cidadão: os doidos, os loucos, os birutas e os malucos.

Essa investigação baseou-se em minuciosa análise dos comportamentos do indivíduo; em outras palavras, na mania (obcecação resultante de desejo imoderado) de ficar reparando no povo.

A participação, ainda que involuntária, de maridos, mulheres, casais de namorados, adolescentes, mães, bêbados e políticos foi de enorme importância para a elaboração deste modesto ensaio.

A questão aqui trata da diagnose das esquisitices dos seres humanos normais, sem a intenção de criticar, justificar, teorizar ou se solidarizar com os exemplos citados.

Também não é nosso objetivo apontar soluções, ofender ninguém nem enlouquecer ainda mais as criaturas. Restringimo-nos a organizar resumidamente a nossa espécie.

1 – O louco.

Indivíduo capaz de cometer loucuras como adentrar a casa da namorada/namorado às 4 da manhã cantando Roberto Carlos, desafiar assaltos e engarrafamentos para comprar determinado tipo de torta de limão que só se encontra do outro lado da cidade, acreditar que seu pedido será realizado se o próximo carro que passar for vermelho, mesmo que esse pedido seja um aumento de salário. A mente dos loucos funciona loucamente sem parar – um pensamento puxa outro, que puxa outro, que puxa outro –, tornando-se difícil manter uma linha lógica de raciocínio, o que é que eu estava dizendo mesmo? Ah, eu estava falando dos loucos, agora vou passar para os malucos.

2 – O maluco.

Tipo de louco com fortes inclinações para artes plásticas, filosofia, teatro, física nuclear e delírios de qualquer natureza. Maluco geralmente gosta de bar, de fumaça, de incenso, de pôr-do-sol, de localizar as Três Marias no cinturão da constelação de Órion, de questionar, por exemplo, "Se a levada do bongô fosse tum-tum-tum, em vez de tum, não dava um som mais maneiro?" ou "Já pensou se o dia andasse pra trás, pra começar de noite e terminar de manhãzinha?", e de jogar conversa fora, qualquer uma serve, só para passar o tempo, sem nem perceber que está tomando o tempo dos outros com besteira, opa, percebi.

3 – O doido.

Como o doido geralmente está doidinho, torna-se fácil identificá-lo. Existem doidos para casar, doidos para separar, doidos para que chegue logo a sexta-feira, doidos por futebol, por internet, por sexo, por sucesso, por aspargos ou por qualquer coisa pela qual eles possam ficar doidos. É comum o portador da doidice não conseguir identificar por que está doido, o que provoca enorme ansiedade e faz o pobre do doido ficar doido para arranjar um motivo qualquer para ficar doido sossegado.

4 – O biruta.

Birutas apresentam variados impulsos de caráter lúdico, tais como: atravessar a rua dançando mambo, imitar um urubu-rei em cima do telhado, fingir que é guarda de trânsito, provocar tropeções, passar trotes, dar sustos, amarrar o rabo do gato ou fazer verso.
Foram constatados ainda vários casos de associações.
Existem loucos malucos. Ou malucos muito doidos. Ou doidos meio birutas. Ou birutas, completamente loucos, que ficaram irremediavelmente doidos por qualquer maluquice. Esse é o caso daqueles que prometeram escrever uma crônica e não conseguiram.
(por Adriana Falcão)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Por não estarem distraídos - Clarice Lispector

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

No restaurante

- Quero lasanha.

Aquele anteprojeto de mulher - quatro anos, no máximo, desabrochando na ultraminissaia - entrou decidido no restaurante. Não precisava de menu, não precisava de mesa, não precisava de nada. Sabia perfeitamente o que queria. Queria lasanha.

O pai, que mal acabara de estacionar o carro em uma vaga de milagre, apareceu para dirigir a operação-jantar, que é, ou era, da competência dos senhores pais.

- Meu bem, venha cá.

- Quero lasanha.

- Escute aqui, querida. Primeiro, escolhe-se a mesa.

- Não, já escolhi. Lasanha.

Que parada - lia-se na cara do pai. Relutante, a garotinha condescendeu em sentar-se primeiro, e depois encomendar o prato:

- Vou querer lasanha.

- Filhinha, por que não pedimos camarão? Você gosta tanto de camarão.

- Gosto, mas quero lasanha.

- Eu sei, eu sei que você adora camarão. A gente pede uma fritada bem bacana de camarão. Tá?

- Quero lasanha, papai. Não quero camarão.

Vamos fazer uma coisa. Depois do camarão a gente traça uma lasanha. Que tal?

- Você come camarão e eu como lasanha.

O garçom aproximou-se e ela foi logo instruindo:

- Quero uma lasanha.

O pai corrigiu:

Traga uma fritada de camarão pra dois. Caprichada.

A coisinha amuou. Então não podia querer. Queriam querer em nome dela? Por que é proibido comer lasanha? Essas interrogações também se liam no seu rosto, pois os lábios mantinham reserva. Quando o garçom voltou com os pratos e o serviço, ela atacou:

- Moço, tem lasanha?

- Perfeitamente, senhorita.

O pai, no contra-ataque:

O senhor providenciou a fritada?

- Já, sim, doutor.

De camarões bem grandes?

- Daqueles legais, doutor.

- Bem, então me vê um chinite, e pra ela...O que é que quer, meu anjo?

- Uma lasanha.

- Traz um suco de laranja pra ela.

Com o chopinho e o suco de laranja, veio a famosa fritada de camarão, que, para surpresa do restaurante inteiro, interessado no desenrolar dos acontecimentos, não foi recusada pela senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A silenciosa manducação atestava, ainda uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.

- Estava uma coisa, hem? - comentou o pai, com um sorriso bem alimentado - Sábado que vem, a gente repete...Combinado?

- Agora a lasanha, não é, papai?

- Eu estou satisfeito. Uns camarões tão geniais. Mas você vai comer mesmo?

- Eu e você, tá?

- Meu amor, eu...

Tem de me acompanhar, ouviu? Pede a lasanha.

O pai abaixou a cabeça, chamou o garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa vizinha, bateu palmas. O resto da sala acompanhou. O pai não sabia onde se meter. A garotinha, impassível. Se, na conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem aí, com força total, o poder ultrajovem.
(Carlos Drummond de Andrade)




quarta-feira, 2 de julho de 2008

O lago mudo

Contemplo o lago mudo

Que uma brisa estremece.

Não sei se penso em tudo

Ou se tudo me esquece.


O lago nada me diz,

Não sinto a brisa mexê-lo

Não sei se sou feliz

Nem se desejo sê-lo.


Trêmulos vincos risonhos

Na água adormecida.

Por que fiz eu dos sonhos

A minha única vida?

(Fernando Pessoa)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Equilíbrio

Tirou os pés do chão e abraçou as pernas junto ao corpo, sentada na cadeira de balanço.
Não sairia dali. Ficou a balançar, olhar sem ver.
Mundo facilitado aquele do sem pés no chão.
Se dali não saísse não precisaria ir ou vir, ou nem mesmo decidir se iria.
Cansaço tomou conta.
Lembrou-se de momentos e das crateras que se abriram quando palavras sacudiram tudo. Abraçou os joelhos com mais força.
Em auto-abraço equilibrou-se na cadeira como podia.
E chorou.
Como poderia entender o porquê?
Gritou o grito interno.
E ali ficou, abraçando-se pelos joelhos.