terça-feira, 28 de setembro de 2010

Piedra y camino

Da colina venho descendo
caminho e pedra
trago enredada na alma, vida,
uma tristeza.
Me acusas de não te querer,
não digas isso
talvez não compreendas nunca, vida,
porque me afasto.
É meu destino
pedra e caminho
de um sonho distante e belo, vida,
sou peregrino.
Por mais que eu busque a sorte
vivo penando
e quando devo ficar, vida,
eu vou andando.
Às vezes sou como o rio
chego cantando
e sem que ninguém saiba, vida,
vou embora chorando.
É meu destino
pedra e caminho
de um sonho distante e belo, vida,
sou peregrino.
Atahualpa Yupanqui

sábado, 25 de setembro de 2010

Algumas campanhas e anúncios

Campanha da ONG WWF (World Wide Fund for Nature) para alertar sobre o deslocamento de habitat de espécies devido ao aquecimento  global.



Campanha contra a fome na Europa.







Alguns anúncios:


















quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Primavera



Primavera gentil dos meus amores,
- Arca cerúlea de ilusões etéreas,
Chova-te o Céu cintilações sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul, dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!

Cedo virá, porém, o triste outono,
Os dias voltarão a ser tristonhos
E tu hás de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerúleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!
Augusto dos Anjos

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Inscrição



Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?
Não encontro caminhos
fáceis de andar
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar
E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.
Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.

Cecília Meireles

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Ser feliz


Ser feliz é maravilhoso
É como ter um balão dentro de ti
e o balão está cheio de ar quente
tu ficas leve e quase a voar.
Às vezes sentes-te feliz
juntamente com os outros.
Quando estiveste longe
e houve alguém que esteve a tua espera
ou quando uma pessoa diz um segredo
que só nós sabemos.
Quando sentado quieto junto de outra pessoa
compreendes como ambos são amigos.
És feliz
quando consegues finalmente fazer alguma coisa
que devias fazer mas não ousavas.
Às vezes podes ser feliz
quando estás só.
Quando a Primavera chega de repente
e tu navegas no primeiro barco à vela do ano
ou quando caem os primeiros flocos de neve do Inverno
e tocam docemente a tua cara molhada.
Quando começas a pensar em alguém
que gosta de ti
ou quando um amigo defende
o que tu disseste ou fizeste.
Mas ficarás mais feliz do que nunca
quando tornares feliz outra pessoa.

Quando visitares alguém que está sozinho
e tiveres tempo para ficar lá muito tempo
ou fizeres alguma coisa por alguém
que foi duramente magoado.

Então o balão sobe
redondo de alegria
e voa até tocar as mãos de Deus.

Leif Kristiansson - Tradução de Sophia de Mello Breyner

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Tem que ser agora

Vamos supor que deva ser agora
enquanto é tempo e o tempo subsista...
Vamos supor que esse seja o tempo
que a hora passe e o dia não resista!

Vamos supor que as luzes da cidade
apaguem na avenida da memória...
Não sei o que será desse amanhã,
vamos supor que deva ser agora...

Suponhamos que o rio altere o curso
de seu destino inevitável de correr,
e a flor não venha mais a sublimar-se
no seu inexorável destino de nascer...

Vamos supor que a espera seja tanta
que o tempo não se lembre de passar.
Que a noite durma tanto nas calçadas
que a alvorada não consiga despertar...

É necessário então que seja agora
Como o dia que chega embora tarde,
suponhamos ao menos que este seja
o instante inicial da eternidade!

A. Estebanez

sábado, 11 de setembro de 2010

Não vemos as coisas...


"Não vemos as coisas como são, mas como somos."

Anaïs Nin



quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A criança que fui chora na estrada


I

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

II

Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.

E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.

Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me,
Sem que eu perceba de onde vai crescendo.

Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.

III

Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.

Fernando Pessoa