terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Poema de Natal


Caixas de tamanhos diversos,
cores mil,
laços bordados em todos os extremos,

Vitrines com cenários Natalinos,
com o verde acenando a esperança
Rumo ‘a vidas sem dores e guerras

As fitas dos presentes se desembrulham,
caem livremente,
como na dança de um corpo ritmado

O espírito do amor baila pelos ares,
exalando a pétala da bondade
Suave e profunda,
acaricia os rostos embriagados pela desilusão

Os espinhos são contemplados por olhares profundos
Mesclam-se nas pétalas que formam pedaços de flores
Unidos em só canção
Nas vozes trêmulas de anjos
Gotejam a alma faceira
De um mundo mais harmônico
Celebrando a aspirante PAZ.

Débora Vilella Petrin

sábado, 20 de dezembro de 2008

Está chegando o verão - Luis Fernando Veríssimo

E com ele também chegam os pedágios, os congestionamentos na estrada, os bichos geográficos no pé e a empregada cobrando hora-extra.
Verão também é sinônimo de pouca roupa e muito chifre, pouca cintura e muita gordura, pouco trabalho e muita micose.
Verão é picolé de ki-suco no palito reciclado, é milho cozido na água da torneira, é coco verde aberto pra comer a gosminha branca.
Verão é prisão de ventre de uma semana e pé inchado que não entra no tênis.
Mas o principal, o ponto alto do verão é... a praia!! Ah, como é bela a praia!
Os cachorros fazem cocô e as crianças pegam pra fazer coleção. Os casais jogam frescobol e acertam a bolinha na cabeça das "véias".
Os jovens de jet ski atropelam os surfistas, que por sua vez, miram a prancha pra abrir a cabeça dos banhistas.
O melhor programa pra quem vai à praia é chegar bem cedo, antes do sorveteiro, quando o sol ainda está fraco e as famílias estão chegando.
Muito bonito ver aquelas pessoas carregando vinte cadeiras, três geladeiras de isopor, cinco guarda-sóis, raquete, frango, farofa, toalha, bola, balde, chapéu e prancha, acreditando que estão de férias.
Em menos de cinqüenta minutos, todos já estão instalados, besuntados e prontos pra enterrar a avó na areia.
E as crianças? Ah, que gracinha!
Os bebês chorando de desidratação, as crianças pequenas se socando por uma conchinha do mar, os adolescentes ouvindo walkman enquanto dormem.
As mulheres também têm muita diversão na praia, como buscar o filho afogado e caminhar vinte quilômetros pra encontrar o outro pé do chinelo.
Já os homens ficam com as tarefas mais chatas, como perfurar um poço pra fincar o cabo do guarda-sol. É mais fácil achar petróleo do que conseguir fazer o guarda-sol ficar em pé.
Mas tudo isso não conta, diante da alegria, da felicidade, da maravilha que é entrar no mar! Aquela água tão cristalina, que dá pra ver os cardumes de latinha de cerveja no fundo.
Aquela sensação de boiar na salmoura como um pepino em conserva.
Depois de um belo banho de mar, com o rego cheio de sal e a periquita cheia de areia, vem aquela vontade de fritar na chapa. A gente abre esteira velha, com cheiro de velório de bode, bota o chapéu, os óculos escuros puxa um ronco bacaninha.
Isso é paz, isso é amor, isso é o absurdo do calor. Mas, claro, tudo tem seu lado bom.
E à noite o sol vai embora.
Todo mundo volta pra casa tostado e vermelho como mortadela, toma banho e deixa o sabonete cheio de areia pro próximo.
O shampoo acaba e a gente acaba lavando a cabeça com qualquer coisa, desde o creme de barbear até desinfetante de privada.
As toalhas, com aquele cheirinho de mofo que só a casa de praia oferece.
Aí, uma bela macarronada pra entupir o bucho e uma dormidinha na rede pra adquirir um bom torcicolo e ralar as costas queimadas.
O dia termina com uma boa rodada de tranca e uma briga em família.
Todo mundo vai dormir bêbado e emburrado, babando na fronha e torcendo, pra que na manhã seguinte, faça aquele sol e todo mundo possa se encontrar no mesmo inferno tropical...
"Qualquer semelhança com a vida real, é uma mera coincidência..."

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Asas da liberdade


Logo que o sol aponta no resplandecer de cada dia nascente, a natureza saúda os homens com suas hostes de esperança. Então, faz um convite mágico a todas as criaturas que transitam nesse planeta, convocando-as para, juntamente com ela, o seu destino. Sua voz é fina, é dotada de insigne beleza; sua voz canta alto. A natureza comunica-se conosco pelos mais diversos meios, mas é pelo canto dos pássaros que ela faz valer a sua voz.

Pássaros grandes, pequenos. Sua plumagem abastada ensina a lição que a magia da criação está na sua diversidade; com cantos magníficos ou simples piados eles cumprem a sua missão de levar aos ouvidos humanos as mensagens implícitas da vida, como verdadeiros Hermes da existência.

Mas de todas as raças, uma com certeza conquista o homem.

Oriundos da Austrália, os pássaros da raça Diamante Gold hipnotizam-nos pela sua graça e inocência, que só os seres do Éden são capazes de possuir. Penas em cores exaltadas preenchem os corpos das pequenas aves, verdadeiras obras de arte pintadas por autoria do acaso. Pássaros de imenso primor, como aquele que Amanda ganhou no seu aniversário.

O presente veio das mãos do pai, que buscava amenizar a angústia de uma filha deprimida. Confinada a uma cadeira de rodas, a menina, no entanto, já havia se acostumado com sua sina. Desde muito nova, nunca viveu a vida igual às outras pessoas: participava de seu modo, num mundo particular, composto de atos e comportamentos diferentes, mas os quais não podia repreender. A intransigência dos homens a repudiava, de um lado pelo preconceito e de outro pela indiferença.

Sentia-se familiarizada com o pássaro. Afinal, ambos viviam num mundo de prisões. As lembranças de sua vivência reapareciam das covas pútridas de sua angústia, trazendo consigo melancolia. Não era fácil enfrentar as crianças que apontavam os dedos curiosos em sua direção, todos os dias, ou o constrangimento ser diferente, de jamais imaginar a sensação de coisas simples que todas as pessoas faziam, sem entender o encanto de cada ato. O animal na gaiola lhe sentimentos desagradáveis. Com certeza, seria melhor que ele estivesse livre.

A sós com o passarinho, Amanda observava, embasbacada, a beleza única do animal. Abruptamente, segurou a gaiola nas mãos. Os olhos atentos da ave voltaram-se para a menina, analisando o desconhecido. No olhar, podia-se sentir a pureza que jamais seria corrompida.

Amanda abriu a portinhola da gaiola e agarrou a pequena ave, de tons negros e azulados, nas suas mãos. Uma comunicação silenciosa se fez, através dos olhares imobilizados.

A menina dirigiu-se à janela; em seguida soltou o pássaro, elevando de uma só vez seus braços aos céus..

Pelas árvores verdejantes do parque ela ainda podia ver o ilustre animal, alternando seus vôos e pousos, entre peripécias. Nas asas da liberdade, Amanda também voava, realizando os seus mais infantes sonhos, delírios de uma mente sedenta de libertação.

No fim, ela ouvia as vozes da natureza falando e entendia, por sons compreendidos somente pela pureza, que o homem pode até transformar a vida e construir gaiolas, mas seu verdadeiro valor, consiste de fato, numa atitude que exige muito menos dele: abrir as portas de suas prisões e se integrar, assim como os pássaros, à fonte de toda a sua existência, a natureza.

Autor desconhecido


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Microcosmo


Pensando e amando, em turbilhões fecundos
És tudo: oceanos, rios e florestas;
Vidas brotando em solidões funestas;

Primaveras de invernos moribundos;

A Terra; e terras de ouro em céus profundos,
Cheias de raças e cidades, estas
Em luto, aquelas em raiar de festas;
Outras almas vibrando em outros mundos;

E outras formas de línguas e de povos;
E as nebulosas, gêneses imensas,
Fervendo em sementeiras de astros novos;


E todo o cosmos em perpétuas flamas…
- Homem! és o universo, porque pensas,
E, pequenino e fraco; és Deus, porque amas!

Olavo Bilac

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Dentro de mim mora um anjo


Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim
dentro de mim mora um anjo
que tem a boca pintada
que tem as asas pintadas
que tem as unhas pintadas
que passa horas a fio
no espelho do toucador
dentro de mim mora um anjo
que me sufoca de amor
Dentro de mim mora um anjo
montado sobre um cavalo
que ele sangra de espora
ele é meu lado de dentro
eu sou seu lado de fora
Quem me vê assim cantando
não sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
que arrasta as suas medalhas
e que batuca pandeiro
que me prendeu nos seus laços
mas que é meu prisioneiro
acho que é colombina
acho que é bailarina
acho que é brasileiro.
Composição: Sueli Costa/ Cacáso


quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A história do lápis


Um menino olhava para a avó a escrever uma carta. A certa altura perguntou:
- Estás a escrever uma história que aconteceu comigo? E, por acaso, é uma história sobre mim?
A avó parou de escrever a carta, sorriu e comentou com o neto:
- Estou a escrever sobre ti, é verdade. No entanto, mais importante do que as palavras, é o lápis que estou a usar. Gostava que tu fosses como ele, quando cresceres.
O menino olhou para o lápis, intrigado, e não viu nada de especial.
- Mas é igual a todos os lápis que vi na minha vida!
- Tudo depende do modo como tu olhas para as coisas. Há nele cinco qualidades que, se as conseguires manter, farão de ti uma pessoa sempre em paz com o mundo.

A primeira qualidade: tu podes fazer grandes coisas, mas nunca te deves esquecer de que existe uma Mão que guia os teus passos. A esta mão nós chamamos Deus, e Ele deve sempre conduzir-te em direção à Sua vontade.

A segunda qualidade: de vez em quando, é preciso parar de escrever e usar o afia-lápis. Isso faz com que o lápis sofra um bocado, mas deixa-o mais afiado. Portanto, aprende a suportar algumas dores, porque elas farão de ti uma pessoa melhor.

A terceira qualidade: o lápis permite sempre que usemos uma borracha para apagar aquilo que está errado. Percebe que corrigir uma coisa que fizemos não é necessáriamente mau, mas importante para nos manter no caminho da justiça.

A quarta qualidade: o que realmente importa no lápis não é a madeira ou a sua forma exterior, mas o grafite que está dentro. Portanto, presta sempre atenção naquilo que acontece dentro de ti.

Finalmente, a quinta qualidade do lápis: ele deixa sempre uma marca. Da mesma maneira, compreende que tudo o que tu fizeres na vida vai deixar traços, por isso tenta ser consciente de todas as tuas ações."

(Ser Como o Rio Que Flui - PAULO COELHO)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Olho as minhas mãos

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar…
Fechá-las, de repente,
Os dedos como pétalas carnívoras !
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento
Como tecem as teias as aranhas.
A que mundo
Pertenço ?
No mundo há pedras, baobás, panteras,
Águas cantarolantes, o vento ventando
E no alto as nuvens improvisando sem cessar.
Mas nada, disso tudo, diz: "existo".
Porque apenas existem…
Enquanto isto,
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses
E, cheios de esperança e medo,
Oficiamos rituais, inventamos
Palavras mágicas,
Fazemos
Poemas, pobres poemas
Que o vento
Mistura, confunde e dispersa no ar…
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar
Foi este o fim da Criação !
Mas, então,
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ?
Quem faz - em mim - esta interrogação ?

Mário Quintana


sábado, 6 de dezembro de 2008

Origem feminina - Luis Fernando Veríssimo

Existem várias lendas sobre a origem da Mulher.
Uma diz que Deus pôs o primeiro homem a dormir, inaugurando assim a anestesia geral, tirou uma de suas costelas e com ela fez a primeira mulher.
E que a primeira provação de Eva foi cuidar de Adão e agüentar o seu mau humor, enquanto ele convalescia da operação.
Uma variante desta lenda diz que Deus, com seu prazo para a Criação estourado, fez o homem às pressas, pensando “Depois eu melhoro”, e mais tarde, com tempo, fez um homem mais bem-acabado, que chamou Mulher, que é “melhor” em aramaico.
Outra lenda diz que Deus fez a mulher primeiro, e caprichou nas suas formas, e aparou aqui e tirou dali, e com o que sobrou fez o homem só para não jogar barro fora.
Zeus teria arrancado a mulher de sua própria cabeça.
Alguns povos nórdicos cultivam o mito da Grande Ursa Olga, origem de todas as mulheres do mundo, o que explica o fato das mulheres se enrolarem periodicamente em pêlos de animais, cedendo a um incontrolável impulso atávico, nem que seja só para experimentar, na loja, e depois quase desmaiar com o preço.
Em certas tribos nômades do Meio Oriente ainda se acredita que a mulher foi, originariamente, um camelo, que na ânsia de servir seu mestre de todas as maneiras foi se transformando até adquirir sua forma atual.
No Extremo Oriente existe a lenda de que as mulheres caem do céu, já de kimono.
E em certas partes do Ocidente persiste a crença de que mulher se compra através dos classificados, podendo-se escolher idade, cor da pele e tipo de massagem.
Todas estas lendas, claro, têm pouco a ver com a verdade científica. Hoje se sabe que o Homem é o produto de um processo evolutivo que começou com a primeira ameba a sair do mar primevo, e é o descendente direto de uma linha específica de primatas, tendo passado por várias fases até atingir o seu estágio atual e aí encontrar a Mulher, que ninguém ainda sabe de onde veio.
É certamente ridículo pensar que as mulheres também descendem de macacos. A minha mãe, não!
Uma das teses mais aceitáveis sobre o papel da mulher na evolução do homem é a de que o primeiro encontro entre os dois se deu no período paleolítico, quando um homo-sapiens mas não muito, chamado, possivelmente, Ugh, saiu para caçar e avistou, sentado numa pedra, penteando os cabelos, um ser que lhe provocou o seguinte pensamento, em linguagem de hoje:
"Isso é que é mulher e não aquilo que tenho na caverna".
Ugh aproximou-se da mulher e, naquele seu jeitão, deu a entender que queria procriar com ela.”Agh maakgrom grom”, ou coisa parecida. A mulher olhou-o de cima a baixo e desatou a rir.
É preciso lembrar que Ugh, embora fosse até bem apessoado pelos padrões da época, era pouco mais do que um animal aos olhos da mulher. Tinha a testa estreita e as mandíbulas pronunciadas e usava gordura de mamute nos cabelos.
A mulher disse alguma coisa como “Você não se enxerga, não?” e afastou-se, enojada, deixando Ugh desolado. Antes dela desaparecer por completo, Ugh ainda gritou: “Espera uns 10 mil anos pra você ver!”, e de volta à caverna exortou seus companheiros a aprimorarem o processo evolutivo.
Desde então, o objetivo da evolução do homem foi o de proporcionar um par à altura para a mulher, para que, vendo o casal, ninguém dissesse que ela só saía com ele pelo dinheiro, ou para espantar assaltantes.
Se não fosse por aquele encontro fortuito em alguma planície do mundo primitivo, o homem ainda seria o mesmo troglodita desleixado e sem ambição, interessado apenas em caçar e catar seus piolhos, e um fracasso social.
Mas de onde veio a primeira mulher, já que podemos descartar tanto a evolução quanto as fantasias religiosas e mitológicas sobre a criação?
Inclino-me para a tese da origem extraterrena. A mulher viria (isto é pura especulação, claro) de outro planeta.
Venho observando-as durante anos - inclusive casei com uma, para poder estudá-las mais de perto - e julgo ter colecionado provas irrefutáveis de que elas não são deste mundo. Observei que elas não têm os mesmos instintos que nós, e volta e meia são surpreendidas em devaneio, como que captando ordens de outra galáxia, embora disfarcem e digam que só estavam pensando no jantar. Têm uma lógica completamente diferente da nossa. Ultimamente têm tentado dissimular sua peculiaridade, assumindo atitudes masculinas efazendo coisas - como dirigir grandes empresas e xingar a mãe do motorista ao lado - impensáveis há alguns anos, o que só aumenta a suspeita de que se trata de uma estratégia para camuflar nossas diferenças, que estavam começando a dar na vista.
Quando comentamos o fato, nos acusam de ser machistas, presos a preconceitos e incapazes de reconhecer seus direitos, ou então roçam a nossa nuca com o nariz, dizendo coisas como “ioink, ioink” que nos deixam arrepiados e sem argumentos.
Claramente combinaram isto. Estão sempre combinando maneiras novas de impedir que se descubra que são alienígenas e têm desígnios próprios para a nossa terra.
É o que fazem, quando vão, todas juntas, ao banheiro, sabendo que não podemos ir atrás para ouvir.
Muitas vezes, mesmo na nossa presença, falam uma linguagem incompreensível que só elas entendem, obviamente um código para transmitir instruções do Planeta Mãe.
E têm seus golpes baixos. Seus truques covardes. Seus olhos laser, claros ou profundamente escuros, suas bocas.
Meu Deus, algumas até sardas no nariz. Seus seios, aqueles mísseis inteligentes. Aquela curva suave da coxa, quando está chegando no quadril, e a Convenção de Genebra não vê isso!
E as armas químicas - perfumes, loções, cremes. São de uma civilização superior, o que podem nossos tacapes contra os seus exércitos de encantos?
Breve dominarão o mundo. Breve saberemos o que elas querem. Se depois de sair este artigo, eu for encontrado morto com sinais de ter sido carinhosamente asfixiado, como um sorriso, minha tese está certa. Se nada me acontecer, sinal de que a tese está certa, mas elas não temem mais o desmascaramento.
O que elas querem, afinal?
Se a mulher realmente veio ao mundo para inspirar o homem a melhorar e ser digno dela, pode ter chegado à conclusão de que falhou, que este velho guerreiro nunca tomará jeito. Continuaremos a ser mulheres com defeito, uma experiência menor num planeta inferior. O que sugere a possibilidade de que, assim como veio, a mulher está pronta a partir, desiludida conosco.
E se for isso que elas conspiram nos banheiros? A retirada? Seríamos abandonados à nossa própria estupidez. Elas levariam as suas filhas e nos deixariam com caras de Ugh.
Posso ver o fim da nossa espécie. Nossos melhores cientistas abandonando tudo e se dedicando a intermináveis testes com a costela, depois de desistir da mulher sintética. Tentando recriar a mágica da criação.
Uma mulher, qualquer mulher, de qualquer jeito! Prometemos que desta vez não as decepcionaremos! Uma mulher! Como é que se faz uma mulher?

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O arco


Que quer o anjo? Chamá-la
O que quer a alma? perder-se
Perder-se em rudes guianas
para jamais encontrar-se
Que quer a voz? encantá-lo.
Que quer o ouvido? Embeber-se
de gritos blasfematórios
até que dar aturdido.
Que quer a nuvem? raptá-lo,
Que quer o corpo? solver-se,
delir memória de vida
e quanto seja memória.
Que quer a paixão? detê-lo.
Que quer o peito? fechar-se
contra os poderes do mundo
para na treva fundir-se.
Que quer a canção? erguer-se
em arco sobre os abismos.
Que quer o homem? salvar-se,
ao permeio de uma canção.

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Paisagem

Imagem em www.grendelart.carbonmade.com

Passavam pelo ar aves repentinas,
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areias as suas crinas.
Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
Era a carne das árvores elásticas e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.
Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.
Eram os pinheirais onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exaltação afirmativa.
Era a verdade e a força do mar largo,
Cuja voz, quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.

Sophia de Mello Breyner Andresen


segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Protopoema


Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos, e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Toda a água me passa entre as palmas abertas, e derepente não sei se as águas nascem de mim, ou para mim fluem.
Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o próprio corpo do rio.
Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também os barcos e o céu que os cobre e os altos choupos que vagarosamente deslizam sobre a película luminosa dos olhos.
Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duas águas como os apelos imprecisos da memória.
Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.
Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e firme pulsar do coração.
Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo acorda o canto das aves.
E quando num largo espaço o barco se detém, o meu corpo despido brilha debaixo do sol, entre o esplendor maior que acende a superfície das águas.
Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas da memória e o vulto subitamente anunciado do futuro.
Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousar calada sobre a proa rigorosa do barco.
Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul e que as aves digam nos ramos por que são altos os choupos e rumorosas as suas folhas.
Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem, sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas verticais circundam.
Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra viva.
Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se juntarem às mãos.
Depois saberei tudo.
José Saramago

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A redução do pensamento à palavra


O homem parecia ter desapontadamente perdido o sentido do que queria anotar. E hesitava, mordia a ponta do lápis como um lavrador embaraçado por ter que transformar o crescimento do trigo em algarismos. De novo revirou o lápis, duvidava e de novo duvidava, com um respeito inesperado pela palavra escrita. Parecia-lhe que aquilo que lançasse no papel ficaria definitivo, ele não teve o desplante de rabiscar a primeira palavra. Tinha a impressão defensiva de que, mal escrevesse a primeira, e seria tarde demais. Tão desleal era a potência da mais simples palavra sobre o mais vasto dos pensamentos. Na realidade o pensamento daquele homem era apenas vasto, o que não o tornava muito utilizável. No entanto parece que ele sentia uma curiosa repulsa em concretizá-lo, e até um pouco ofendido como se lhe fizessem proposta dúbia...

Clarice Lispector in A maçã no escuro

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Apesar dos nossos defeitos


"Apesar dos nossos defeitos,
precisamos enxergar que somos pérolas únicas no
teatro da vida e entender que não existem pessoas
de sucesso e pessoas fracassadas.
O que existem são pessoas que lutam pelos
seus sonhos ou desistem deles."
Augusto Cury

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro pra ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta
Estudar é uma coisa que está indistinta,
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Se quando, em vez de criar, seca.
O mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa


sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Assovio

Ninguém abra a sua porta
para ver o que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.
Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu:
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.
Vou pelo braço da noite,
levando tudo que é meu:
- a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.
Cecília Meireles

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Arte=beleza: O início

Assim como o camponês cria a arte na natureza
O artista alimenta a alma com os frutos da beleza
O pão alimenta o corpo, a arte alimenta os sentimentos
Um vem dos prados da terra e o outro, dos pensamentos
E se não pode nos faltar, a comida, o alimento
A arte é imprescindível, na vida, a cada momento
Venha em palavras doces, em sons, formas ou cores
A arte é o calmante, que apazigua as nossas dores
A beleza é um lugar, que estamos a buscar
Porque lá estão as chaves que vão nos libertar
A beleza é divina, é conquista, fascinação
Beleza é arte, a arte é evolução
Que expressamos calmamente
Como a lapidação de um diamante
Realizando intensamente
Os sonhos mais delirantes
Enigmaticamente, moldando a certeza:
A manifestação da arte, todos tendem a seguir
Pois está na natureza, a maior expressão da beleza
A perfeição concretizada, a que sonhamos atingir...

Autor desconhecido

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Anjos

"Não há remédio que cure o que a felicidade não cura"

27 de setembro. A cidade toma tons coloridos na paisagem e nas almas de seus habitantes. A alegria pode ser sentida pairando no ar, quebrando a aspereza e insensibilidade dos dias comuns. Nas ruas, as crianças passeiam, ostentando os seus chocolates e balas, cantarolando cirandas infantis. Elas passam abrindo sorrisos deliciosos e, entre brincadeiras, degustando a doçura da vida. Sua alegria contagiante transformava as casas e prédios num imenso arco-íris de luz, retirando o fel dos corações até daqueles que perderam o seu encanto com a impiedosa cavalgada do tempo.

No centro da monumental e antiga igreja, o animado padre cuidava dos últimos detalhes da decoração. As fitas de cetim em cores fortes davam movimento à escuridão e as flores perfumadas contrastavam com a seriedade do templo. Ao lado direito do altar, a meninada se assanhava. E como um grande batalhão, um a um dos integrantes do coral ia tomando a sua posição, repreendendo o nervosismo inevitável que antecedia a cantoria. Em pouco tempo, os fiéis já ocupavam os bancos da "Casa de Deus": a missa daquela quinta-feira seria muito especial. O coral cantava a todo o vapor os cânticos religiosos, alternando entre graves e agudos de infinita beleza, que logo ecoavam por toda a vizinhança.

A sábia senhora negra que a tudo assistia reparava nas crianças do coro: bochechas avermelhadas, cabelos e pele claros. Silenciosamente, ela engolia mais uma vez o desaforo que maltratava o seu coração. Curioso era, que a mesma igreja que pregava a igualdade entre os homens, constituía um coral unanimente ariano...

A magnitude das preces ia, minuto a minuto, esgotando-se. As atenções e os olhares começavam a se dispersar. A voz do pároco tornara-se cansativa e a missa começava a perder seu propósito. As pessoas alienavam-se da reza e mergulhavam suas cabeças em seus problemas pessoais; e o padre, agora, pronunciava palavras sem sentido.

Mas é 27 de setembro, é o dia de São Cosme e São Damião. Os santos das crianças, a única esperança para muitas. E em seu coral, ninguém era esquecido... Esse dia não poderia ser apenas mais um.

Dos bancos, as crianças olhavam encantadas os querubins pintados na parte superior da igreja, que brincavam no céu artificial. Os contornos barrocos enchiam de beleza o cenário dando traços generosos aos anjos que ganhavam vida. E tal como os meninos, eles quebravam a impaciência e indiferença das pessoas. No dia de São Cosme e São Damião, os anjos pareciam aproximar-se mais dos homens, a todos que os louvavam e pediam a sua proteção.

Contudo, outros anjos que habitam entre nós são esquecidos e sofrem com o descaso. Anjos, como o pequeno Ângelo, o subnutrido e mísero menino das periferias. Para ele, nem os doces de São Cosme e Damião tiravam a amargura da vida.

Desde que vira a mãe definhando lentamente, presa a uma cama pobre até a morte, resolveu não mais soltar a sua voz. E realmente, nunca mais pronunciou palavra alguma. À noite, amontoava-se aos quatro irmãos desencaminhados, no barraco de proporções ínfimas, localizado ao lado de um córrego que de tempos em tempos subia e fazia o anjo da morte baixar na Terra.

A luta pela sobrevivência era sua missão e a cada dia que se passava ele se deparava com monstros cada vez maiores. O silencioso menino carregava todas as manhãs a desgastada e suja caixa de engraxate, perambulando pelo centro da cidade, perto da antiga igreja. Por ali, os homens de negócio transitavam sempre, com seus ternos imponentes e sorrisos de aço. E lá ele ficava, esperando que algum deles se apiedasse de sua dor e deixasse que ele prestasse o simbólico serviço. Com certeza, eles cederiam uma migalha do pão velho de suas padarias.

Certa vez, Ângelo resolveu entrar na Catedral do centro da cidade e, admirando os querubins do teto, recebeu um presente dos céus. Uma linda mulher surgiu em frente a seus olhos e lhe ofereceu um ursinho de pelúcia, amarelo, perfumado, puro. Foi no mesmo dia em que o coral cantou como jamais se viu.

Agora, a vida do menino se corava. Uma felicidade gigantesca visitava seu coração depois de muito tempo de ausência. Ângelo esqueceu da dureza de sua caminhada e de volta ao pobre barraco, dormiu celestialmente, repleto da alegria que o singelo presente lhe dava.

Naquela noite, a magia se fazia presente. No mundo da fantasia, os querubins visitavam Ângelo, que com eles brincava e por eles era abençoado. Ele também podia voar junto aos anjos, passeando pelos campos de seus sonhos. A floresta virgem o chamava e junto com os querubins, ele se banhava em uma linda cachoeira, sorridente. Com seus frágeis membros, espalhava água para todos os lados, esbanjando a sua meninice, que um dia lhe fora roubada. Ali ele se sentia bem. O sofrimento morrera e a pobreza não existia.

Mas o nascer do sol põe fim à festa. O grito estridente e desesperado de um galo traz Ângelo de volta à realidade, arrancando-lhe da única coisa que a maldade e negligência dos homens não conseguiam lhe tirar: os sonhos. O cheiro de enxofre que a miséria produzia invadia os poros do nosso anjo. Um suspiro refletia a estrondosa insatisfação de ter voltado de sua viagem.

O sol da manhã já estava forte. Ângelo passa a mão na severa e inseparável caixa, olha para o seu ursinho, angelicalmente, e parte novamente para o seu martírio, no centro da cidade. Saía, entretanto, motivado. Porque ele sabia que a noite, como um manto, cairia sobre a frialdade de seus dias, e logo os anjos voltariam a estar bem do seu lado, levando-o do mundo das trevas para o retiro de seu amor.

Autor desconhecido

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Meus passos

Ando em cadência, no ritmo do meu peito que vibra. Dou passos no caminho de pedra, passos na grama, na terra úmida e de volta à pedra. Piso na poça que a chuva formou, não me importo. Não perco o compasso. Quero sentir, quero respirar. Redescobrir, re-conhecer.

Os pés gelados, a neblina cerrada envolve num abraço o corpo todo. Atmosfera de inverno da infância, promessa de infinitas possibilidades. O bosque velado, apenas as araucárias se impõem ao olhar, esculturas de majestosa atemporalidade, guardiãs do ontem e do sempre.

Meus passos são um pouco passos de criança, brincalhões. Mas são passos firmes, portam confiança, consciência. Buscam o passado, desejam o futuro, aceitam o presente, intensamente. Não é dia para passos melancólicos, de sabor agridoce.

Estou em casa...

Letícia L. Möller

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Longe, longe

Ando, ando...
Bancos vazios
em corredores soturnos.
Prédios noturnos
me observam calados.
Rostos, vozes
tudo, tudo
longe, longe...

O silêncio salta
faz piruetas e dança, invisível
pelo espaço intransponível
que separa eu de mim.
Não ouço meus passos
mas não importa
pois nem eu nem cada porta
por que passo
compreende esse trajeto.
Seguro
com as estrelas
o peso dos véus,
do escuro
e da ausência
inadmissível
intocável
intransponível
inassimilável.
O vento venta
mas venta pouco.
Quem dera a paz...
Ventasse mais...
Ventasse mais!
E expulsasse
de minha mente enfumaçada
as centopéias indecifráveis
que me fazem não achar.
Fábio Rocha


terça-feira, 11 de novembro de 2008

O rio

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.
Manuel Bandeira

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Aurora

O poeta ia bêbedo no bonde.
O dia nascia atrás dos quintais.
As pensões alegres dormiam tristíssimas.
As casas também iam bêbedas.
Tudo era irreparável.
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada),
que o mundo ia acabar às 7 e 45.
Últimos pensamentos! últimos telegramas!
José, que colocava pronomes,
Helena, que amava os homens,
Sebastião, que se arruinava,
Artur, que não dizia nada,
embarcam para a eternidade.
O poeta está bêbedo, mas
escuta um apelo na aurora:
Vamos todos dançar
entre o bonde e a árvore?

Entre o bonde e a árvore
dançai, meus irmãos!
Embora sem música
dançai, meus irmãos!
Os filhos estão nascendo
com tamanha espontaneidade.
Como é maravilhoso o amor
(o amor e outros produtos).
Dançai, meus irmãos!
A morte virá depois
como um sacramento.

Carlos Drummond de Andrade



sábado, 8 de novembro de 2008

Conhece o vocábulo escardinchar? - Rubem Braga

Conhece o vocábulo escardinchar? Qual o feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo? Como se chama o natural do Cairo?

O leitor que responder "não sei" a todas estas perguntas não passará provavelmente em nenhuma prova de Português de nenhum concurso oficial. Aliás, se isso pode servir de algum consolo à sua ignorância, receberá um abraço de felicitações deste modesto cronista, seu semelhante e seu irmão.
Porque a verdade é que eu também não sei. Você dirá, meu caro professor de Português, que eu não deveria confessar isso; que é uma vergonha para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu instrumento de trabalho, que é a língua.

Concordo. Confesso que escrevo de palpite, como outras pessoas tocam piano de ouvido. De vez em quando um leitor culto se irrita comigo e me manda um recorte de crônica anotado, apontando erros de Português. Um deles chegou a me passar um telegrama, felicitando-me porque não encontrara, na minha crônica daquele dia, um só erro de Português; acrescentava que eu produzira uma "página de bom vernáculo, exemplar". Tive vontade de responder: "Mera coincidência" — mas não o fiz para não entristecer o homem.

Espero que uma velhice tranqüila - no hospital ou na cadeia, com seus longos ócios — me permita um dia estudar com toda calma a nossa língua, e me penitenciar dos abusos que tenho praticado contra a sua pulcritude. (Sabem qual o superlativo de pulcro? Isto eu sei por acaso: pulquérrimo! Mas não é desanimador saber uma coisa dessas? Que me aconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar se o seu marido me descesse a mão?).

Alguém já me escreveu também — que eu sou um escoteiro ao contrário. "Cada dia você parece que tem de praticar a sua má ação — contra a língua". Mas acho que isso é exagero.

Como também é exagero saber o que quer dizer escardinchar. Já estou mais perto dos cinqüenta que dos quarenta; vivo de meu trabalho quase sempre honrado, gozo de boa saúde e estou até gordo demais, pensando em meter um regime no organismo — e nunca soube o que fosse escardinchar. Espero que nunca, na minha vida, tenha escardinchado ninguém; se o fiz, mereço desculpas, pois nunca tive essa intenção.

Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono, mas não o feminino de cupim. Morrerei sem saber isso. E o pior é que não quero saber; nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar.

Por que exigir essas coisas dos candidatos aos nossos cargos públicos? Por que fazer do estudo da língua portuguesa uma série de alçapões e adivinhas, como essas histórias que uma pessoa conta para "pegar" as outras? O habitante do Cairo pode ser cairense, cairei, caireta, cairota ou cairiri — e a única utilidade de saber qual a palavra certa será para decifrar um problema de palavras cruzadas. Vocês não acham que nossos funcionários públicos já gastam uma parte excessiva do expediente matando palavras cruzadas da "Última Hora" ou lendo o horóscopo e as histórias em quadrinhos de "O Globo?".

No fundo o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa; não alguma coisa através da qual as pessoas se entendam, mas um instrumento de suplício e de opressão que ele, gramático, aplica sobre nós, os ignaros.

Mas a mim é que não me escardincham assim, sem mais nem menos: não sou fêmea de cupim nem antônimo do póstumo nenhum; e sou cachoeirense, de Cachoeiro, honradamente — de Cachoeiro de Itapemirim!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A adversidade desperta em nós...

"A adversidade desperta em nós
capacidades que, em circunstâncias favoráveis,
teriam ficado adormecidas."
Horácio


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A música está submersa em todas as coisas...


A música está submersa em todas as coisas...
É a alma que canta em tudo que é vivo, em tudo que é vida!
Há música em tudo, até mesmo no silêncio, ecoando os acordes do tempo!
Nada como se embriagar de música, na alegria ou na tristeza!
Ela celebra, acorda a alma, muda a sintonia!
Meu ópio diário para libertar a dor e celebrar a vida!
Que a música nos eleve...!!

O tempo? Pura sinfonia...
Poesia? Música em movimento...

Raiblue

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Caminhante


Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.
Ontem eu sonhei que via
Deus e que a Deus falava;
e sonhei que Deus me ouvia...
Depois sonhei que sonhava...
Dizes que nada se cria?
Não te importes, e com o barro
da terra faz uma taça
para que beba teu irmão.
Dizes que nada se cria?
Oleiro, mãos ao trabalho!
Faz teu copo e não te importe
se não podes fazer barro.
Dizes que nada se perde?
Se esta taça de cristal
se me partir, nunca nela
eu beberei, nunca mais.
À noite sonhei que ouvia
Deus, que me gritava: Alerta!
Depois Deus adormecia
e eu gritava: Desperta!
Antônio Machado

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sábio é o ser humano...


"Sábio é o ser humano que tem coragem de ir diante do espelho
da sua alma para reconhecer seus erros e fracassos
e utilizá-los para plantar as mais belas sementes no
terreno de sua inteligência."
Augusto Cury

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sonhos Azuis

Imagem em www.grendelart.carbonmade.com
Asas azuis, inquietas.
Sonhos bem frágeis de amor.
Almas puras e repletas
Do néctar fino da flor...

Deus, ó Deus, mas quem seria?

Quem haveria de estar
No sol morno deste dia
Por perfumes a vagar
Na primavera vadia?

- Os sonhos de amor infindo,
Asas volúveis, discretas,
No puro azul e tão lindo
Das pequenas borboletas.
Genildo Mota Nunes

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Amanhece

Amanhece
Água com gosto de pasta dentifrícia
O cheiro de café na cozinha
Uma cachorra sem nome a latir
Barulho de chaves a destrancar a porta
Carros chiando metais na avenida
Amanhece
Sol a correr no céu cinzento
Tecendo novas histórias de horror
Debaixo dos jacarandás
Debaixo dos trinados
Debaixo dos arco-íris
Amanhece
A cidade desperta aos poucos
A fumaça sobre o centro levita
Os cadernos no braço da estudante
Os sonhos de muitos cantam
Os sonhos de poucos esperam
Amanhece
O sorriso maroto do criador
Libertador de canções desesperadas
Nas missas das sete horas
Sermões sobre política e educação
As cores do nosso coração
Amanhece
Nuvens a ensaiar peças teatrais
Idéias a morrer nas mesas dos bares
Violões calados sem voz
Veias sujas que não querem cura
A violência da madrugada debaixo dos jornais
Amanhece
Bolha mágica cintilante
Cedo tudo se parece
Nebulosas gasosas
Espirais incandescentes
Pios de pássaros e sinos de igrejas

Amanhece
Sapatos sonolentos tropicam na calçada
O caos que domina a vida dos paulistas
Amor a regar flores nos vasos
Feirantes chamando as freguesas
O ritual de todas as manhãs

Carlos Assis

sábado, 25 de outubro de 2008

Em trilha de paca, tatu caminha dentro - Arnaldo Jabor


Hoje não tem estilo, não tem capricho, não tem figuras de retórica; nada de metáforas, metonímias, catacreses ou aliterações chiques como: “Rara, rubra, risonha, régia rosa!” ou “Na messe, que enlourece, estremece a quermesse”.

Hoje vai tudo em bruto, em rascunho, porque descobri na internet que sou uma besta quadrada mesmo (dirão meus inimigos: “Finalmente, ele se encontrou...”). Eu tenho traçado mal traçadas linhas há 13 anos (gente... eu escrevo em jornal desde 1991!...) numa média de 60 artigos por ano, o que totalizaria 780 artigos caprichados, e descubro aterrado na internet que sou um animal, um forte asno. Explico por quê.

Ando pela rua e as pessoas me abordam: “Adorei o seu artigo que está circulando na internet! Maior sucesso!” Pergunto, já com medo: “Que artigo?” “Esse texto genial que você escreveu e que todo mundo me mandou. Chama-se "Bunda Dura".

Imediatamente, sinto-me irreal: “Eu sou eu, ou sou outro?” Por um instante, penso que tenham renomeado algo que escrevi, mas respondo: “Não fui eu quem escreveu esse texto!” Digo isso envergonhado e vagamente agressivo para a pessoa, que logo replica: “Puxa!... mas o texto é ótimo, adorei o "Bunda Dura’!” Aí, não agüento e digo: “Você acha que eu ia escrever uma bosta dessas?” Aí, o admirador do texto apócrifo, o fã de um Jabor virtual se encolhe meio ofendido, flagrado em sua desinformação: “Mas... tem coisas legais...” E eu, implacável: “É uma bosta!” Aí, o sujeito sai sorrindo amarelo e vira meu inimigo para sempre.

Vejam o efeito da burrice “serial”: um burro me falsifica, um outro gosta e quem paga o pato sou eu. E fico mais invocado ainda porque capricho muito quando escrevo nos jornais, vocês nem imaginam. Considero o jornal um suporte genial, pois somos lidos por milhares toda semana e podemos falar do mundo ainda quente, sem a busca por transcendências perdidas, tanto assim que, se eu fizer um romance ou um poema épico em 11 cantos, tentarei escrever com a simplicidade leve que busco em meus pobres artigos. Mas o que realmente me encafifa é ver um clandestino simulando o que eu tenho de pior e também porque sou amado pelo que não sou.

Esse texto da “Bunda dura” está famoso. Toda hora alguém me elogia. Há trechos assim:

“Tenho horror à mulher perfeitinha. Sabe aquele tipo que faz escova toda manhã, tá sempre na moda e é tão sorridente que parece propaganda de clareamento dentário?

E, só pra piorar: tem a bunda dura!!! Mulheres assim são um porre. Pior: são brochantes!”

Aí, a admiradora de bunda caída repete, feliz: “Adorei!”.

A primeira vez que saiu um troço desses (vou escrever de qualquer jeito...) eu encuquei, fiquei na maior bronca e esculachei o carinha que “me tinha metido nessa canastrice” (sacaram os cacófatos?), pois o dito texto esculhambava a linda amiga Adriane Galisteu. Companheiro leitor, (serei chulo) tu num sabe o bode que essa parada deu, por causa que o elemento apocrifador era um coleguinha jornalista que publicara aquilo num outro jornal, que eu não sabia. Caí de pau no cara e isso me meteu num “cu-de-boi” chato pra cacete e tive de escrever outro artigo para me explicar para a Adriane.

Outros textículos rolam na internet. Chega a menina sorrindo pra mim: “Rapaz... finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres na internet! Mandei isso pra mil amigas, principalmente naquela parte que você diz: ”Elas são tão cheirosinhas... elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...“ ”Não escrevi isso...“, respondo. ”Não seja modesto! É a melhor coisa que já fez!... Olha só essa parte em que você diz: “Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!”...

Eu jamais escreveria “cós acaba!”. “Nem vem... é teu melhor texto...” — e vai embora rebolando feliz...

E não publicam só textos safadinhos, mas até coisas épicas, como uma esplendorosa “Ode aos gaúchos” que eu teria escrito, o que já me valeu abraços apertados de machos bigodudos em Porto Alegre, quebrando-me os ossos: “Ché, tua escritura estava macanuda, trilegal!” Eu nego ter escrito aquele ditirambo meio farroupilha aos bigodudos, mas nego num tom vago, para não ser esculachado: “Tu não escreveste? Então tu não amas nossas prendas lindas, e negas ter escrito aquele pedaço em que tu dizes ‘que a gente já nasce montado num bagual’? Aquilo fez meu pai chorar, e o pedaço em que falas que ‘por baixo do poncho também bate um coração’? Tu tá tirando o cu da reta, ché?” — e me aponta o dedo, de bombachas e faca de prata. “Não fui eu, não, mas... viva o Olívio Dutra!...”

E há mais. Um deles é sobre “Amores mal resolvidos” onde acho frases profundas como “Você sabe, o amor acaba.” Ou “dor-de-cotovelo é quando o amor é interrompido antes que se esgote”... E há um outro chamado “Crônica do amor louco”, onde leio “pálido de espanto”: “O amor não é chegado em fazer contas...” ou “quando a mão dele toca tua nuca, tu derretes feito manteiga” ou “Ah... o amor, essa raposa...”

Sei que outros escritos fantasmas virão, mas saibam que só existo mesmo nas páginas dos jornais onde tenho coluna pelo país afora e que a internet é um deserto virtual, sem chão, onde as individualidades se dissolvem e eu viro um nome sem corpo...

Por isso, vou dar um conselho aos meus ghost-writers : Sejam vocês mesmos! Apareçam na internet, bloguem-se , orkutem-se , spamem suas almas líricas, sem receio ou pudor. Lembrando-me daquele japonês chamado Aki Sujiro, eu aqui sugiro alguns teminhas, para vocês glosarem.

Aqui vão: “Tudo sobre minha mãe”, como no filme do Almodóvar, ou “Confissões de um menino no porão ou o dia em que dei num troca-troca”, ou até um texto de cunho mais folclórico e regional: “Em trilha de paca, tatu caminha dentro?”

Não temam, rapazes, não se escondam — expressem-se!