sábado, 31 de julho de 2010

Sonhos...


"Sonhos não morrem,
apenas adormecem na alma da gente."
Chico Xavier

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Há palavras que nos beijam


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas,
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes,
Abraçados contra a morte.
Alexandre O´Neill

terça-feira, 27 de julho de 2010

Hoje desaprendo o que tinha aprendido ontem

Hoje desaprendo o que tinha aprendido ontem
E que amanhã começarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.
Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.
E do alto avisto os que folgam e assaltam, dono de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.
De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano,
permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a aprender.

Cecília Meireles


sábado, 24 de julho de 2010

No espaço e no tempo...


"No espaço e no tempo todas as coisas mudam.
Transformam-se. Nada tem forma permanente.
A única coisa permanente é a impermanência.
Modificar-se é o início da sabedoria.
É coerência com as leis do universo."
Freud

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Caso pluvioso


A chuva me irritava.
Até que um dia descobri que maria é que chovia.
A chuva era maria.
E cada pingo de maria ensopava meu domingo.
E meus olhos molhando, me deixava
como terra que a chuva lavra e lava.
Eu era todo barro, sem verdura...
maria chuvosíssima criatura!
Ela chovia em mim, em cada gesto,
pensamento, desejo, sono e o resto.
Era chuva fininha e chuva grossa,
matinal e noturna, ativa... Nossa!
Não me chovas, maria, mais que o justo
chuvisco de momento, apenas susto.
Não me inundes de teu líquido plasma,
não sejas tão aquático fantasma!
Eu lhe dizia em vão - pois que maria
quanto mais eu rogava, mais chovia.
E chuveirando atroz em meu caminho,
o deixava banhado em triste vinho,
que não aquece, pois água de chuva
mosto é de cinza, não de boa uva.
Chuvadeira maria, chuvadonha,
chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!
Eu lhe gritava: Pára! E ela chovendo,
poças d'água gelada ia tecendo.
Choveu tanto maria em minha casa
que a correnteza forte criou asa
e um rio se formou, ou mar, não sei,
sei apenas que nele me afundei.
E quanto mais as ondas me lavavam,
as fontes de maria mais chuvavam,
de sorte que com pouco, e sem recurso,
as coisas se lançaram no seu curso,
e eis o mundo molhado e sovertido
sob aquele sinistro e atro chuvido.
Os seres mais estranhos se juntando na mesma aquosa pasta
iam clamando contra essa chuva estúpida e mortal.
catarata. (jamais houve outra igual).
Anti-petendam cânticos se ouviram.
Que nada! As cordas d'água mais deliram.
e maria, torneira desatada,
mais se dilata em sua chuvarada.
Os navios soçobram.
Continentes já submergem com todos os viventes,
e maria chovendo.
Eis que a essa altura, delida e fluida
a humana enfibratura,
e a terra não sofrendo tal chuvência,
comoveu-se a Divina Providência,
e Deus, piedoso e enérgico, bradou:
Não chove mais maria! - e ela parou.
Carlos Drummond de Andrade


terça-feira, 20 de julho de 2010

Sobre a amizade

"Uma das alegrias da amizade

é saber em quem confiar."

Alessandro Manzoni

FELIZ DIA DO AMIGO A TODOS!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Alice no País das Ervilhas



Resumo

19h 30min
Preparo o jantar de sanduíche de cogumelos, bom e barato que a crise aperta. Numa panela refogo cebola até dourar um pouco. Junto cogumelos e tomates e refogo mais uns minutos sem deixar o tomate desmanchar e tempero com sal. Numa tigela bato levemente uma clara de ovo e incorporo-a com creme de leite. Adiciono a mistura ao refogado e misturo rapidamente até incorporar, e está feito. Salsinha e parmesão não há, mas que se lixe. Abro o pão, atiro a mistela lá para dentro junto com uma folha de alface, e NHAC !!!!!

20h 00min
Já jantado sento-me no sofá e ligo a TV. Noticiários estão a começar.

21h 00min
Sou atacado por um sono irresistível... ou os cogumelos estavam estragados, ou o teor repetitivo dos noticiários induzia a uma torpeza mental.
Os olhos vão-se fechando e vou abandonando o duro estado da (ir)realidade actual.
Tenho um sonho, tenho vários sonhos desconexamente ligados.
Sonhei que o Príncipe Carlos me estava a pedir em casamento. Fujo a sete pés que o gajo além de aborrecido tem mau hálito e embrenho-me num denso bosque. Caio num vazio, num enorme buraco negro, dentro do qual aos vários Espaços perceptíveis em coordenadas xyz é adicionada à coordenada Tempo. A limitação dos sentidos humanos é incrível e nem sequer sabemos se o que eles nos enviam é real. O desenvolvimento de universos mentais adquire uma força e clareza bem maiores, e certamente uma maior fidelidade. A pluri-quadrimensionalidade torna-se um universo limpo em comparação com as bi ou tridimensionalidades do nosso quotidiano. Fico na dúvida se estou a cair, a subir, ou se estou estático e tudo gira... mas será que interessa? O movimento relativo a um eixo é determinante, ou um factor mínimo comparado com toda a dinâmica do(s) universo(s)?
Aterro num rectângulo verde, pés na Terra, e a súbita condição humana faz-me sentir confortável. Reconheço o espaço, o tempo continua difuso, as situações entrechocam-se entre duras realidades e irrealidades possíveis. Estou em Portugal. Isto aqui é Portugal ?!?!

Tenho um vestido azul e sinto-me Alice no País das Ervilhas.

Sonhei que Portugal tinha ganho o Campeonato do Mundo de Futebol, com uma revolucionária táctica TMFD (Tudo ao Molho e Fé em Deus), sendo o guarda redes Eduardo Mãos de Tesoura, o melhor marcador da competição. Maior relevo merece a proeza, já que o seleccionador apenas levou 11 jogadores como medida de contenção de despesas. A Federação fretou vários charters, onde para além dos dirigentes se deslocaram à África do Sul vários árbitros e alguns empresários, no sentido de divulgar a Ervilha como Produto Nacional Certificado a conquistar assim novos mercados. Mais tarde a comitiva foi recebida em apoteose por uma vasta multidão que incluía El -Rei D. Sebastião, regressado expressamente de Marrocos numa manhã de cinzas vulcânicas.

OW Sapo !!! Não vale a pena estares a mandar beijos que eu sei que és o Príncipe Carlos disfarçado... rapa do meu sonho e vai coaxar lá pra PQP.

Sonhei que a Democracia não era uma dança aleatória de bolinhas de sabão, jogada aos 7 ventos por um qualquer bobo da corte.

Supondo que o Universo é mutável no domínio do tempo, deve haver razões físicas para que realmente houvesse um começo, e se não existia nada antes, o que fez com que o desequilíbrio da singularidade criasse um Universo caótico e em mutação? ...@&*#~... esperem aí Einstein, Gamow e companhia que já tenho confusão que chegue no meu sonho...

09h 01min
TRIMMM... TRIMMMM....
Sou acordado abruptamente pelo som da campainha da porta.
Era um sujeito mau encarado, orelhudo e com cara de sapo. Ainda pensei que era o Príncipe Carlos revivido do sonho, mas não... era um Fiscal do recém super Ministério das Finanças e Controle Interno.
O chip instalado no meu cérebro, peça Constituinte do Cartão de Cidadão e orgulho da tecnologia lusa, tinha detectado anomalias nocturnas e como tal estava sujeito às novas taxas aprovadas na véspera.
Da factura constava:
IRS (Imposto Retaliador de Sonhos) - 150 €
IVA (Imposto de Visão Acrescentada) - 125 €
ID (Imposto de Dormir) - 100 €
IDV (Imposto do Direito de Viver) - 100 €
VALOR TOTAL: 475 € (exactamente igual ao meu Salário Mínimo Nacional)
Fazer o quê?
Abri a porta do frigorífico e peguei na última lata de ervilhas que havia. O dia estava bonito e inspirei o ar puro matinal... ainda é grátis. No quintal um sapo coaxou... e a lata de ervilhas voou :)

MORAL DA HISTÓRIA: comer cogumelos à noite é indigesto... prefira a Ervilha Nacional e "lá vamos, cantando e rindo..."

Assim vai o país...

JET



terça-feira, 13 de julho de 2010

Folhas de rosa

Todas as prendas que me deste, um dia,
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
Eu vou falar com elas em segredo...

E falo-lhes d'amores e de ilusões,
Choro e rio com elas mansamente...
Pouco a pouco o perfume de outrora
Flutua em volta delas, docemente...

Pelo copinho de cristal e prata
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita
Que, triste, me deslumbra e m'embriaga

O espelho de prata cinzelada,
A doce oferta que eu amava tanto,
Que reflectia outrora tantos risos,
E agora reflecte apenas pranto,

E o colar de pedras preciosas,
De lágrimas e estrelas constelado,
Resumem em seus brilhos o que tenho
De vago e de feliz no meu passado...

Mas de todas as prendas, a mais rara,
Aquela que mais fala à fantasia,
São as folhas daquela rosa branca
Que a meus pés, desfolhaste, aquele dia...

Florbela Espanca

sábado, 10 de julho de 2010

A leitura...


A leitura de um bom livro é um diálogo
incessante: o livro fala e a alma responde.
André Maurois

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Os degraus


Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

Mário Quintana

terça-feira, 6 de julho de 2010

Liberdade


Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen

sábado, 3 de julho de 2010

A vida tem a cor...



"A vida tem a cor que você pinta."
Mário Bonatti

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Luz do sol

Luz do Sol
Que a folha traga e traduz
Em verde novo
Em folha, em graça, em vida
Em força, em luz
Céu azul
Que vem até onde os pés
Tocam a terra
E a terra inspira e exala
Seus azuis
Reza, reza o rio
Córrego pro rio
Rio pro mar
Reza correnteza
Roça a beira,
Doura a areia
Marcha o homem sobre o chão
Leva no coração
Uma ferida acesa
Dono do sim e do não
Diante da visão
Da infinita beleza
Finda por ferir com a mão
Essa delicadeza
A coisa mais querida
A glória da vida
Luz do Sol...

Caetano Veloso