segunda-feira, 27 de abril de 2009

Remar e boiar

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Não fui eu que inventei a expressão. Achei no site dela, em algum momento em que ela falava sobre o desgaste de um trabalho duro, e a alegria de um dia a mercê do vento.

Acontece que nunca mais me esqueci da soma dessas duas palavras e, vira e mexe, enquanto estou remando, remando muito, imploro que o vento me ajude e deixe-me boiar por alguns segundos. Explico: remar e boiar. Remar é trabalhar, boiar é descansar. Remar é fazer força, boiar é relaxar. Remar é enfrentar chefe, boiar é brincar com o filho. Remar é fila no supermercado, boiar é o sofá. Remar é o Jornal Nacional, boiar é TV Fama. Remar é pensar, boiar é esvaziar-se...

Há casamentos que são mais remar. Outros, deliciosos, são feitos de boiar. Mas todos os relacionamentos, todos, exigem as duas atividades. Na hora de ceder, brigar, ou simplesmente aturar, somos remadores fortes. Remamos quando respiramos fundo mesmo diante da toalha molhada sobre a cama, remamos quando damos explicações longas para problemas pequenos, remamos quando disfarçamos os gastos, ou quando murchamos a barriga. Já na hora de brincar, rir e rachar uma pizza, costumamos boiar encantados. Boiamos quando nos aconchegamos no braço alheio, boiamos quando rimos de uma piada idiota, boiamos quando dançamos, sozinhos, numa pequena sala vazia...

E, no trabalho, não é diferente. Normalmente trabalhar é remar arduamente, mas alguns trabalhos têm longos períodos boiando. Não é o meu caso. No meu trabalho, sinto-me remar até arder os braços. Fazer planilha no excel é remar, reportar relatórios mirabolantes é remar, dar explicações de horário é remar muito. Às vezes, algumas vezes, tenho um almoço tão leve e divertido com as amigas que, mesmo no escritório dos campeões de remo, sinto-me boiar por uma curta hora. Acontece. Mas há um ou outro sortudo que vive de boiar. Sério, existe gente que ganha para boiar, e esses devem ter os braços fracos, mas o coração aquecido. Outro dia, ouvi dizer de uma moça que a profissão dela é “conversadora”. Sim, ela organiza e realiza conversas. Aquilo que a gente faz no cafezinho, correndo, é o dia-a-dia dela. Boiar levemente, sob águas mornas - inclusive.

Mas esses representam uma pequena minoria. Há também aqueles que nem trabalham, mas esforçam-se tanto em tudo o que fazem que chegam ao fim da vida sentindo seus braços dormentes de tanto remar. Tantos que passam a vida toda remando, com os filhos, com a família, com a casa, com o trabalho, seja lá o que for trabalho. Tornam-se cansados e, nos casos mais tristes, desaprendem a boiar. Viram amargurados e mesquinhos. Se, por ventura, pegam-se boiando num almoço de domingo, quase que assustam-se com o peso leve do corpo, dentro da água. Não raro voltam a mastigar a sua alface com a mesma apatia de antes. Sim, porque comer alface, para a maior parte das pessoas, é remar. Já chocolate, hambúrguer, sorvete e macarrão, isso é boiar com sabedoria. Curtir é boiar. Preocupar-se é remar. Navegar sem destino na net, lendo blogs até perder a hora, é boiar um pucadinho. Fazer imposto de renda é remar. Achar um eletricista, um encanador, um marceneiro, é ser um mestre do remo - quase que um primeiro lugar. Eu ainda estou a milhas de distância desses atletas. Mas aprendi a boiar com uma leveza sem tamanho.

Sim, porque se remar precisa ser aprendido, boiar também. É outro aprendizado, outro formato, mas é necessário aprender, porque não é qualidade de todo mundo boiar. A felicidade, essa danada, é dom de alguns, conquista de outros, e utopia para tantos. Já o remo, ah o remo é dado a todos, em algum momento da vida.... Se você ainda não recebeu o seu, atente-se. Logo terá um remo nos braços e, quando a correnteza estiver forte, você só pode remar ou boiar. Caso contrário, é afogar-se na certa...

Ana Coutinho

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sexta-feira, 24 de abril de 2009

Alvorecer


A noite empalidece. Alvorecer...
Ouve-se mais o gargalhar da fonte...
Sobre a cidade muda, o horizonte
É uma orquídea estranha a florescer.

Há andorinhas prontas a dizer
A missa de alva, mal o sol desponte.
Gritos de galos soam monte em monte
Numa intensa alegria de viver.

Passos ao longe... um vulto que se esvai...
Em cada sombra Colombina trai...
Anda o silêncio em volta a querer falar...

E o luar que desmaia, macerado,
Lembra, pálido, tonto, esfarrapado,
Um Pierrot, todo branco, a soluçar...


Florbela Espanca



quarta-feira, 22 de abril de 2009

sexta-feira, 17 de abril de 2009

E foi naquela idade...

E foi naquela idade…
A poesia chegou em busca de mim.
Não sei, não sei de onde veio,
Do Inverno ou de um rio.
Não sei como ou quando,
Não, não eram vozes,
Não eram palavras, nem silêncio,
Mas chamaram-me de uma rua,
Dos ramos da noite abruptamente,
Por entre fogos violentos
Ou regressando só,

Ali estava eu sem rosto
E ela tocou-me.

Pablo Neruda


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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Canção de outono


Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão...
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

Cecília Meireles

segunda-feira, 13 de abril de 2009

A humanidade é infeliz...


"A humanidade é infeliz

por ter feito do trabalho um sacrifício

e do amor um pecado."

Henrique José de Souza

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O vale da inquietude


Dantes, silente vale sorria.
Era um vale onde ninguém vivia.
Haviam todos partido em guerra,
deixando os doces olhos de estrelas
noturnamente velarem pelas
flores formosas daquela terra,
em cujos braços, dia após dia,
a luz vermelha do sol dormia.
Não há viajante que, hoje, não fale
sobre a inquietude do triste vale.
Lá, agora, tudo é só movimento,
exceto os ares, pesando, adustos,
nas soledades de encantamento.
Ah! nenhum vento move os arbustos
que vibram como as ondas geladas
em torno às Hébridas enevoadas!
Ah! nenhum vento essas nuvens guia,
murmurejantes, nos céus insanos,
e que se arrastam, por todo o dia,
sobre violetas, que alguém diria
serem milhares de olhos humanos,
e sobre lírios, de haste pendida,
chorando em tumba desconhecida,
tremendo; e sempre caem, com o perfume,
gotas de orvalho do flóreo cume,
chorando; e desce, nas hastes frias,
um pranto eterno de pedrarias.
Edgar Allan Poe

terça-feira, 7 de abril de 2009

Foi um momento


Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento

Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste

Senti ou não?
Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea

Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido,

Mas tão de leve!…
Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida

Há uma coisa
Incompreendida…
Sei eu se quando
A tua mão

Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,

Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,

Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,

Que nem soubesses
Que tinha ser.
Assim a brisa
Nos ramos diz

Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.

Fernando Pessoa


sábado, 4 de abril de 2009

Marte x Vênus - Luis Fernando Veríssimo

Nunca tinha entendido por que as necessidades sexuais dos homens e das mulheres são tão diferentes. Nunca tinha entendido tudo isso de Marte e Vênus. E nunca tinha entendido por que os homens pensam com a cabeça e as mulheres com o coração. Uma noite, semana passada, minha mulher e eu estávamos indo para a cama. Bom, começamos a ficar à vontade, fazer carinhos, e nesse momento, ela fala:

"Acho que agora não quero, só quero que você me abrace".

Eu falei: "O QUEEEEEE??????"

Ela falou: "Você não sabe se conectar com as minhas necessidades emocionais como mulher".

Comecei a pensar onde podia ter falhado.

No final, assumi que naquela noite não ia rolar nada, virei e dormi.

No dia seguinte fomos a um grande hipermercado, com muitas lojas dentro dele. Dei uma volta enquanto ela experimentava três modelitos caríssimos.

Como não podia decidir por um ou outro, falei para comprar os três.

Então ela me falou que precisava de uns sapatos que combinassem, a R$ 200,00 cada par. Respondi que tudo bem. Depois fomos à seção de joalheria, de onde saiu com uns brincos de diamantes.

Estava tão emocionada!

Deveria estar pensando que fiquei louco, agora penso que estava me testando quando pediu também uma raquete de tênis, porque nem tênis ela joga.

Acredito que acabei com seus esquemas e paradigmas quando falei que sim.

Ela estava quase excitada sexualmente depois de tudo isso; Vocês tinham que ver a carinha dela, toda feliz!

Quando ela falou: "Vamos passar no caixa para pagar", tive dificuldade para me segurar ao falar com ela:

"Não, meu bem, acho que agora não quero comprar tudo isso".

Ela ficou pálida. Ainda falei:

"Só quero que você me abrace".

No momento em que começou a ficar com cara de querer me matar, falei:

"Você não sabe se conectar com as minhas necessidades financeiras como homem..."

Acredito que o sexo acabou para mim até o natal de 2008...



quinta-feira, 2 de abril de 2009

Por menor que seja...


"Por menor que seja uma boa ação,

Um dia terá bons frutos."


Seicho Taniguchi