quinta-feira, 21 de maio de 2009

Do outro lado da porta


Um amigo, certa vez, mostrou-me um roteiro de um curta que escreveu. O que me lembro dele é da incapacidade de o personagem girar a chave, abrir a porta e sair daquele universo que criou para si mesmo. O tempo todo, o personagem acha que aquela chave não existe, percebe-se numa prisão, mas ela está lá, ao alcance dele, enquanto o mesmo pede por socorro, para que alguém o tire dali.

Todos nós temos a capacidade de criarmos esse cenário de aprisionamento. Não é preciso ser infeliz para fazê-lo, basta se manter estático, não desejar sair do lugar, seja esse lugar abrigo para tristezas ou para alegrias. A falta de nuanças na vida da gente é das prisões mais receptivas, e nos recebe e acomoda sem mesmo percebermos entrar nelas.

Eu tenho uma coleção nada modesta de prisões, que acredito alimentar diariamente apenas ignorando a versatilidade da vida. O que me permite sair para o sol diário, passar apenas algumas horas na solitária, é a certeza de que quando não conseguimos fazer um movimento que nos dê a liberdade necessária para experimentar a vida, a própria nos dá um belo pontapé e nos manda sair andando. Nem sempre é fácil essa transição, mas certamente é construtiva.

Não consigo deixar de pensar nas coisas que deixei de fazer porque me senti compelida a acreditar não ser capaz. Olhando para trás, não é apenas um passado de tentativas vãs que me espia, mas sim a contemplação daquilo que independente de tempo e ainda pode fazer parte da minha biografia. Porque certos desejos são atemporais e dependem da sabedoria adquirida a cada prisão para serem realizados. Yin e yang.

A prisão nossa de cada dia, do esmero em não contrariar os fortes, saber lamentar os fracos; de cair no descontrole por ser contrariado, e até mesmo a sapiência que não é bem recebida e cuidada. Prisões são cantinhos onde guardamos as necessidades que não temos coragem de suprir, as frases que somos incapazes de proferir, as ideias e projetos que nos metem medo. É lá onde guardamos as belezas, os lugares, os sentimentos que queremos jamais deixar de sentir, mas que ali emudecem, empoeiram, são estancados. Proteger demais é aprisionar.

Acredito que um pouco de ousadia caia bem durante a liberdade, porque nos nutre de certa coragem para girarmos chaves, destrancarmos portas e cairmos no mundo. E ao voltarmos às prisões de cada dia – grades enfraquecidas – possamos vislumbrar o momento em que elas desabem: folhas despencando das árvores no outono.


Carla Dias