quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A mão



Guerra e Paz - Exposição no Memorial da América Latina em São Paulo.

Entre o cafezal e o sonho

o garoto pinta uma estrela dourada

na parede da capela,  
e nada mais resiste à mão pintora.  
A mão cresce e pinta  
o que não é para ser pintado mas sofrido.  
A mão está sempre compondo  
módul-murmurando  
o que escapou à fadiga da Criação  
e revê ensaios de formas  
e corrige o oblíquo pelo aéreo  
e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos  
A mão cresce mais e faz  
do mundo-como-se-repete o mundo que  telequeremos.  
A mão sabe a cor da cor  
e com ela veste o nu e o invisível.  
Tudo tem explicação porque tudo tem (nova) cor  
Tudo existe porque foi pintado à feição de laranja mágica  
não para aplacar a sede dos companheiros,   
principalmente para aguçá-la  
até o limite do sentimento da terra domícilio do homem.  
Entre o sonho e o cafezal  
entre guerra e paz  
entre mártires, ofendidos,   
músicos, jangadas, pandorgas,  
entre os roceiros mecanizados de Israel,  
a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil  
entre o amor e o ofício  
eis que a mão decide:  
Todos os meninos, ainda os mais desgraçados,  
sejam vertiginosamente felizes   
como feliz é o retrato  
múltiplo verde-róseo em duas gerações  
da criança que balança como flor no cosmo   
e torna humilde, serviçal e doméstica a mão excedente   
em seu poder de encantação.  
Agora há uma verdade sem angústia  
mesmo no estar-angustiado.   
O que era dor é flor, conhecimento    
plástico do mundo.  
E por assim haver disposto o essencial,  
deixando o resto aos doutores de Bizâncio,  
bruscamente se cala    
e voa para nunca-mais  
a mão infinita   
a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari.
Candido Portinari, por Carlos Drummond de Andrade. 


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