terça-feira, 24 de abril de 2012

Viagem nunca feita



E assim escondo-me atrás da porta, para que a Realidade, quando entra, me não veja. Escondo-me debaixo da mesa, donde, subitamente, prego sustos à Possibilidade. De modo que desligo de mim, como aos dois braços de um amplexo, os dois grandes tédios que me apertam - o tédio de poder viver só o Real, e o tédio de poder conceber só o Possível.Triunfo assim de toda a realidade. Castelos de areia, os meus triunfos?… De que coisa essencialmente divina são os castelos que não são de areia?Como sabeis que, viajando assim, não me rejuvenesço obscuramente?Infantil de absurdo, revivo a minha meninice, e brinco com as ideias das coisas como com soldados de chumbo, com os quais eu, quando menino, fazia coisas que embirravam com a ideia de soldado.Ébrio de erros, perco-me por momentos de sentir-me viver.
Fernando Pessoa, in O livro do desassossego



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