Primeiro, dei de cara com as coisas que nunca soube decifrar. Fiquei olhando, não apenas atenta, mas boquiaberta com a variedade de interpretações sobre o mesmo tema. Percebi que uns sabiam a vida como um caleidoscópio e dele usufruíam as cores, vivendo numa felicidade enfeitada, onde se aglomeravam falseadas levezas, mas que desempenhavam bem o seu papel de amansadoras de inquietações.
Adoro as canções que nos engolem. Às vezes é somente uma pausa assoprada na melodia ou um tom irriquieto instigado pela harmonia desabrochando aquele aperto no peito, o sorriso pasmado de quem foi pego no pulo e não soube fazer mais do que rir de si para si.
Eu não sei compor canções, mas virei expert em redigir obituários, dando à morte dos meus sonhos um ar de cinema noir e garantindo algumas ressuscitações.
Eu sorrio à toa para os fogos de artifícios.
Eu elaboro silêncios.
Eu construo fantasmas.
Eu tenho medo das coisas que têm medo de me pertencer ou me receber: donas do meu destino, faceirinhas, arrogantes.
Sou temerária das faltas. As de minha autoria e daquelas que outros me impõem.
Não pense que sou prato raso, poça e não rio. Tenho meus momentos de vagabundagem, de preguiça de sair adiante ou mesmo refletir sobre antes.
Há dias em que não saio do lugar.
Há anos eu não saio do lugar.
E que lugar é esse que não me alforria com movimento?
Eu sei... Mania essa de colocar a culpa no tempo que passou rápido demais, no cenário que não favoreceu, nos planos que na prática não se mostraram nada funcionas. Na roupa que serviu errado, no cabelo despenteado por causa do vento, nas cerimônias que empanturraram nosso calendário, e nas chances que se perderam, quando na verdade, nós é que estávamos distraídos com a construção do buraco imenso que cavamos na própria alma, essa habilidade digna de quem teme a vida, a mesma que lhe sopra na boca o alimento, enquanto juramos ela nos matar de fome.
Ah...esse medo da maternidade das nossas almas, da origem do nosso fracasso, sem permissão alguma de assumir que de lá também vem as nossas conquistas.
Eu conquisto olhares e então os catalogo na retina. Meu álbum de intensidades me vira do avesso, vez ou outra. E não importa a cor, ainda que o azul elabore poesias secretas.
Faço de conta...como faço de conta! Sou andarilha do poema esquecido na gaveta, empoeirando ao lado do corpo inerte e desembestada imaginação.
Imagine só... Só, mas sem solidão.
Carla Dias