quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Não fora o mar



Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efêmero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.




Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.




Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.

Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,

Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.


Fernanda de Castro, in “Trinta e Nove Poemas”

3 comentários:

  1. Ola. Seja muito bem vinda. Obrigada por se juntar aos meus cuninhos de acucar. Tambem gostei mt de seu blog e as musicas aqui postadas. Tambem estou seguindo vc!
    Seja sempre bem vinda.


    Sorrisos

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  2. Olá! Vim retribuir a visita! Estou seguindo vc tbm! Grande beijo e seja sempre bem vinda!
    bjs ^^

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