terça-feira, 1 de novembro de 2011

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá


(...)
É sempre rápido o tempo da felicidade. O Tempo é um ser difícil. Quando queremos que ele se prolongue, seja demorado e lento, ele foge às pressas, nem se sente o correr das horas.
Quando queremos que ele voe mais depressa que o pensamento, porque sofremos, porque vivemos um tempo mau, ele escoa moroso, longo é o desfilar das horas.
Curto foi o tempo do Verão para o Gato e a Andorinha. Encheram-no com passeios vagabundos, com longas conversas à sombra das árvores, com risos, com palavras murmuradas, com olhares tímidos, porém expressivos, com alguns arrufos também...
Não sei se arrufos será a palavra precisa. Explicarei: por vezes a Andorinha encontrava com o Gato abatido, de bigodes murchos e olhos ainda mais pardos. A causa não variava: a Andorinha saíra com o Rouxinol, com ele conversara ou tivera aula de canto  - o Rouxinol era o professor. A Andorinha não entendia a atitude do Gato Malhado, aquelas súbitas tristezas que se prolongavam em silêncios difíceis. Entre ela e o Gato jamais havia sido trocada qualquer palavra de amor, e, por outro lado, a Andorinha, segundo disse, considerava o Rouxinol um irmão.
Um dia - dia em que a aula de canto se prolongara além do tempo costumeiro -, quando os bigodes do Gato estavam tão murchos que tocavam o solo, ela lhe pediu explicação daquela tristeza. O Gato Malhado respondeu: 
- Se eu não fosse um gato, te pediria para casares comigo...
A Andorinha ficou calada, num silêncio de noite profunda. Surpresa? - não creio tampouco, aquelas palavras foram gratas ao seu coração. Mas tinha medo. Ele era um gato, e os gatos são inimigos irreconciliáveis das andorinhas.
Voou rente sobre o Gato Malhado, tocou-o de leve com a asa esquerda, ele podia ouvir as batidas do pequeno coração da Andorinha Sinhá. Ela ganhou altura, de longe ainda o olhou, era o último dia de Verão.
Jorge Amado.  Trecho de: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá. 

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