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Anos depois outra donzela teve a mesma experiência. Ouviu a mesma história, sobre a maldição da bruxa que transformava qualquer coisa em outra coisa e fizera o príncipe virar sapo. A donzela concordou em beijar o sapo para livrá-lo da maldição, com uma condição:
— Beijo de língua, não.
E viveram felizes para sempre.
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Muitos anos mais tarde, depois da Revolução Industrial, uma donzela desempregada caminhava pela beira do rio e ouviu a mesma história de um sapo. Concordou em beijá-lo, mas o sapo se transformou num príncipe muito feio, talvez devido à poluição do rio. A donzela protestou e ouviu do príncipe:
— Ué, pra quem já beijou sapo!
Mas casaram-se e tiveram uma vida difícil para sempre, porque o príncipe, inclusive, perdera tudo com o fim do feudalismo.
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Já neste século, a mesma história. “Psiu”, sapo, bruxa com poderes mágicos, beijo, tudo igual. Com apenas um instante de hesitação até que se esclarecesse um ponto:
— Precisa ser donzela?
Não precisava. Casaram-se e viveram etc.
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Anos sessenta. A mesma história, com uma variação: a moça era feminista. Ouviu o que a bruxa com poderes mágicos que transformava qualquer coisa em outra coisa fizera com o príncipe, e concluiu:
— Alguma você andou aprontando!
E solidarizou-se com a bruxa e chutou o sapo.
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Jovem empresária caminhando pela beira do rio artificial do seu condomínio fechado ouve o “psiu”, depois a conversa do sapo, e – diante dos protestos do sapo – raciocina em voz alta:
— Um príncipe, hoje, não vale muita coisa. Mas imagina o que eu posso ganhar com um sapo falante, só em cachês!
E ela fez muito dinheiro e viveu feliz com o sapo numa gaiola para sempre.
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Anteontem. Jovem ouviu a proposta do sapo, mas não decidiu em seguida. Procurou seu consultor financeiro, que lhe lembrou que nada é mais valioso no mercado, hoje, do que informação privilegiada como a que o sapo lhe passara.
E aconselhou:
— Esqueça o sapo e encontre essa bruxa!
Com seus poderes mágicos a bruxa poderia transformar moeda fraca em moeda forte, nominativas em preferenciais… Era a solução para a crise!
Fonte: Jornal “Zero Hora” nº. 15888, 23/2/2009.