sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A medida da vida

A gente sabe quando chegou a hora, quando não dá mais. No meu caso, é quando as meias se acumulam dentro dos sapatos. Sinal de que estou passando tempo demais fora de casa, sem tempo nem para lavar as meias enquanto tomo banho.

É nessa hora que a gente percebe que não fala com os pais há dias, que não liga para as pessoas queridas, que perdeu o enredo da vida dos amigos e, pior de tudo, que se extraviou de si mesmo.

Casa é o lugar onde a gente se encontra, onde a gente encontra tudo: a tesoura, o orégano, o livro. Casa é onde a gente anda de olhos fechados, de luz apagada. Casa é a cama sempre desfeita, sempre pronta para um descanso de costelas. Casa é o violão à mão, o tempo à inspiração.

Na falta da casa que é essa, pode-se brincar de casinha no meio do mundo — desde que haja silêncio. Se nós, humanos, praticássemos suficientemente o silêncio, chegaríamos, mais século, menos século, à telepatia. O silêncio é uma casa sem paredes.

As meias dentro do sapato fazem barulho. As cuecas sujas, irritadas, fazem barulho também. A mochila ainda não desfeita entra no desarranjo sonoro. O chuveiro elétrico grita friamente por um novo. Aquela canção incompleta, o vídeo não editado, o mapa astral não interpretado, o livro não revisado, o texto não escrito, o macarrão não cozinhado... tudo faz um barulho tremendo. Até o sono, atrasado, vira pesadelo.

A água transborda do copo desatento. A medida de todas as coisas perde a colherzinha certa. As coisas esquecem o tão necessário antes e depois, e viram coisa atrás de coisa que não se sabe como começou nem para onde foi. As coisas ficam sem história e viram manchetes —sensacionalistas — de jornal.

Dá vontade de virar bicho-do-mato. Porque diante de tanta coisa, de tanto ruído, ser bicho-do-mato é ser mais gente do que meia no sapato.

Eduardo Loureiro Jr.