quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Ferida exposta ao tempo



É forçoso dizer que me faz falta
o poema que existe e nunca li,
como se algures
brotassem coisas que não vi
e que distantes,
carentes,
dependessem de mim.
Algo como se o intocado fosse a sinfonia
inacabada, mais: rasgada
como o quadro nunca esboçado, perdido
na abatida mão do artista.

O ausente
é uma planta
que na distância se arvora
e é tão presente
quanto o passado que aflora.

E a literatura, mais que avenida ou praça
por onde cavalga a glória, é um
monumento,
sim, de dúbia estória: granito e rima,
alegoria ao vento, lugar onde carentes
e arrogantes
cravamos nosso nome de turista:
— estive aqui, desamado,
riscando a pedra e o tempo
expondo meu sangue e nome
com o coração trespassado.

Affonso Romano de Sant'Anna


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